A última caminhada deste ano.
As primeiras caminhadas a seguir
à tua partida foram difíceis. A memória estava bem presente, e como tudo foi
muito de repente, muito insólito, muito injusto, a tua ausência física doeu
bastante. O corte definitivo e a ausência física são coisas quase intoleráveis.
Gostava sobretudo da tua boa
gargalhada, da tua maneira de ser tão consensual, do teu humor sarcástico, a
tua presença imponha-se, eras grande em tamanho e tão maior na alma. O teu
sorriso era fácil, simples, e espontâneo.
Sempre te fiquei reconhecida
pelo apoio que concedias aos que tinham mais dificuldade, recordo-me
particularmente de um percurso bastante ascendente que fizemos do Paúl do Mar
para a Raposeira. Eu não sei como fui capaz de chegar até lá acima. Foi o mar,
a tua companhia e de mais um outro colega que me foi encorajando a não
desistir, a continuar e a chegar ao fim.
Tu estiveste lá sempre, parando,
esperando, interrompendo a tua cadência no andar, estimulando a minha
capacidade de resistência, suportando os meus refilanços, e as minhas
rezingisses
Dizias, “ vamos Luísa, já falta
pouco, vês o que já andamos, olha para baixo, vê o mar, vê esta vista, olha as
pedras, o fundo tão claro, a água tão pura, esta cor, este azul, verde, não se
pode perder esta perspectiva”.
As tuas palavras davam-me alento
e mesmo contrariada lá eu subia mais um bocadinho, chegamos junto do grupo
creio eu, que com um hora de atraso. Devo ter sido motivo de chacota e de gozo,
mas também não me incomodei com isso. As caminhadas fazem-se por prazer, por
satisfação e por gostarmos de estar entre amigos
Nesta semana particularmente
tenho-me lembrado de ti, pois no sábado temos a ultima caminhada deste ano e
comemoramos o final com um almoço de convívio.
Gostavas destes almoços
comensais, conversavas, rias muito, contavas uma anedota aqui outra acolá, eras
bastante comunicativo, não tenho ideia de me aperceber que houvesse alguém que
não gostasse de ti. Eras uma pessoa bem formada, com carácter, firme, dono da tua
opinião, entregue a boas causas, com preocupações sociais, um homem de ideais.
Sempre que oiço “bossa nova ou
jazz”, lembro-me invariavelmente de ti, tinhas uma compilação de CDs que ias
orgulhosamente adquirindo na FNAC, por uns míseros cinco euros, com músicas e covers bem interessantes, e que ponhas
todos quantos iam contigo de boleia a ouvir, e dizias, “é gira não é? olha
desta a minha filha gosta muito, e esta do grande Vinícius ”
Às vezes lembro-me de como
estará a tua família, os teus miúdos, que são tão pequenos, gostavas tanto
deles, falavas muito deles, contavas histórias que se passavam no dia-a-dia, lá
em casa, enquanto te preparavas para a tua caminhada e a tua filha te observava
e já estava a pé, pronta para assaltar o canal Panda.
Mas tenho-me ficado só pela
lembrança, porque as pessoas são mesmo assim, pensam, lembram-se, mas não têm
coragem de ir mais além, e eu também acho que no fundo é legítimo, nós não
conhecemos a tua família, não vamos invadir assim um espaço que não nos
pertence.
E depois também há o tempo, com
o tempo tudo passa, tudo se esvai, tudo se dissipa, ainda te fizemos uma
homenagem durante uma caminhada, pensamos em ti, rezamos, entrelaçamos todos as
mãos e gritamos o teu nome, mas depois é mesmo assim, a vida continua, segue um
dia atrás do outro, não para, fica a dor e uma saudade infinita.
Deixaste com certeza muitos
projectos a meio e alguns sonhos por cumprir, mas deixaste a melhor coisa do
mundo um legado para a história, dois filhos, que carregam o teu nome, os teus
genes, parte de ti e um todo que se completam. Serão na certeza, um dia o teu
maior orgulho.
28.11.14