sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A última caminhada deste ano.

A última caminhada deste ano.
As primeiras caminhadas a seguir à tua partida foram difíceis. A memória estava bem presente, e como tudo foi muito de repente, muito insólito, muito injusto, a tua ausência física doeu bastante. O corte definitivo e a ausência física são coisas quase intoleráveis.
Gostava sobretudo da tua boa gargalhada, da tua maneira de ser tão consensual, do teu humor sarcástico, a tua presença imponha-se, eras grande em tamanho e tão maior na alma. O teu sorriso era fácil, simples, e espontâneo.
Sempre te fiquei reconhecida pelo apoio que concedias aos que tinham mais dificuldade, recordo-me particularmente de um percurso bastante ascendente que fizemos do Paúl do Mar para a Raposeira. Eu não sei como fui capaz de chegar até lá acima. Foi o mar, a tua companhia e de mais um outro colega que me foi encorajando a não desistir, a continuar e a chegar ao fim.
Tu estiveste lá sempre, parando, esperando, interrompendo a tua cadência no andar, estimulando a minha capacidade de resistência, suportando os meus refilanços, e as minhas rezingisses
Dizias, “ vamos Luísa, já falta pouco, vês o que já andamos, olha para baixo, vê o mar, vê esta vista, olha as pedras, o fundo tão claro, a água tão pura, esta cor, este azul, verde, não se pode perder esta perspectiva”.
As tuas palavras davam-me alento e mesmo contrariada lá eu subia mais um bocadinho, chegamos junto do grupo creio eu, que com um hora de atraso. Devo ter sido motivo de chacota e de gozo, mas também não me incomodei com isso. As caminhadas fazem-se por prazer, por satisfação e por gostarmos de estar entre amigos
Nesta semana particularmente tenho-me lembrado de ti, pois no sábado temos a ultima caminhada deste ano e comemoramos o final com um almoço de convívio.
Gostavas destes almoços comensais, conversavas, rias muito, contavas uma anedota aqui outra acolá, eras bastante comunicativo, não tenho ideia de me aperceber que houvesse alguém que não gostasse de ti. Eras uma pessoa bem formada, com carácter, firme, dono da tua opinião, entregue a boas causas, com preocupações sociais, um homem de ideais.
Sempre que oiço “bossa nova ou jazz”, lembro-me invariavelmente de ti, tinhas uma compilação de CDs que ias orgulhosamente adquirindo na FNAC, por uns míseros cinco euros, com músicas e covers bem interessantes, e que ponhas todos quantos iam contigo de boleia a ouvir, e dizias, “é gira não é? olha desta a minha filha gosta muito, e esta do grande Vinícius ”
Às vezes lembro-me de como estará a tua família, os teus miúdos, que são tão pequenos, gostavas tanto deles, falavas muito deles, contavas histórias que se passavam no dia-a-dia, lá em casa, enquanto te preparavas para a tua caminhada e a tua filha te observava e já estava a pé, pronta para assaltar o canal Panda.
Mas tenho-me ficado só pela lembrança, porque as pessoas são mesmo assim, pensam, lembram-se, mas não têm coragem de ir mais além, e eu também acho que no fundo é legítimo, nós não conhecemos a tua família, não vamos invadir assim um espaço que não nos pertence.
E depois também há o tempo, com o tempo tudo passa, tudo se esvai, tudo se dissipa, ainda te fizemos uma homenagem durante uma caminhada, pensamos em ti, rezamos, entrelaçamos todos as mãos e gritamos o teu nome, mas depois é mesmo assim, a vida continua, segue um dia atrás do outro, não para, fica a dor e uma saudade infinita.
Deixaste com certeza muitos projectos a meio e alguns sonhos por cumprir, mas deixaste a melhor coisa do mundo um legado para a história, dois filhos, que carregam o teu nome, os teus genes, parte de ti e um todo que se completam. Serão na certeza, um dia o teu maior orgulho.
28.11.14






terça-feira, 18 de novembro de 2014

Na tasca do urso,

Na tasca do urso, 
Há dias estive em Lisboa e fui jantar a um restaurante muito peculiar. A Tasca do Urso, assim se chama, fica numa rua do Príncipe Real mesmo em frente à Escola Politécnica. Todo ele é indescritível, com peças de muito uso e cada uma com a sua história, que por ter sido a primeira vez que lá fui, ainda não sei nenhuma das histórias.
À entrada deliciei-me com o chão, azulejo preto e branco, um canapé, um maple daqueles de orelhas, uma mesa velha com tampo em mármore, um pequeno gira-disco, uma colecção de vinis, o She do Aznavour em primeiro plano, uns candeeiros antigos, pratos, uma coleção de galos de Barcelos, mesas e cadeiras, todas diferentes umas das outras, nas paredes, quadros com retratos antigos, mesmo daqueles a preto e branco, vários posters de publicidade, da Nívea, da Noite de Santo António, do Azeite Galo, louceiros e mesinhas do tempo das nossas avós, loiça variada, bules, chávenas, taças, maquinas de café, daquelas de enroscar, onde por baixo fica o pó e a agua depois vai subindo.
Bebemos um gin para aperitivo, temperado com sementes de romã, e limão, jantamos logo na primeira sala, na mesa da cama. A mesa da cama, assim o é descrita, porque o banco (suficiente para se sentarem duas pessoas) assenta nas costas de uma cama Como a mesa era para apenas 3 pessoas, nesse banco sentei-me eu e posei as duas malas das senhoras.
O restaurante tem mais uma sala e termina com um pequeno pátio interior com 3 ou 4 mesinhas. É deveras acolhedor, bastante familiar, senti-me quase como se estivesse em casa, não fosse o inconveniente de estar a abarrotar de gente.
O pessoal de serviço simpático, gentil e atento, comi umas entradas de fazer crescer água na boca, alheira transmontana com chévre e doce de tomate, pataniscas de bacalhau, pica pau, foi egras, queijos, tudo muito bem regado com um excelente vinho tinto da região do Douro. Para a sobremesa fizemos uma “vaquinha de mousse de chocolate, mousse de lima e farófias com canela.
A conversa decorreu muito fluidamente, as companhias assim o permitiam, falamos da vida, de episódios passados, com alguma nostalgia, alguma tristeza e magoa à mistura, de acontecimentos familiares, alguns ainda bem presentes, outros nem por isso, falamos dos filhos, das diferentes personalidades, dos amigos, e da família que aos três era comum.
Muita coisa ainda ficou por falar, não foi oportuno, mas sei que um dia retomaremos alguns assuntos que apenas foram abordados ao de leve.
Sei aquele restaurante prima pelo ambiente familiar e despretensioso, pela conversa descontraída, pela amena cavaqueira, e pelas festas temáticas que organizam, dos anos 60,70 e 80, dos magustos, dos antigos amigos do liceu, dos antigos amigos do bairro, etc.
É sempre um ponto de encontro, quem me convidou a lá ir, assim sem ser combinado previamente, encontrou logo uns 4 ou 5 amigos, amigos de infância, da escola ou do colégio.
Foi uma noite agradável, de boa conversa, com muita sensibilidade, na mistura de afetos onde embora a distância separe algumas das pessoas intervenientes os laços que no entanto as unem, são bem mais fluidos e transportam o carinho e a doçura num gesto, num olhar apenas ou num esgar espontâneo.
A ti, miúda, que muito te admiro, que muita luta travaste, que muita dor enfrentaste, algumas perdas importantes assististe numa impotência atroz, que muita lágrima deixaste deslizar pela tua face, desejo sobretudo que sejas feliz.
Saí já madrugada fora, e quando vinha no carro, senti que por algum tempo fiquei de alma cheia, reconfortada, pelos momentos que vivi, pela amizade que senti, pela ternura e pelo entretenimento saboreado naquele pedaço de noite.
Obrigada miúda pelo jantar que me proporcionaste.
18.11.14




quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Mariazinha

A Mariazinha
Andava eu no liceu e de vez em quando ia à Rua Bela de São Tiago a casa de uma amiga de infância da minha mãe, melhor dizendo a irmã dela, é que era a amiga da minha mãe, mas essa, vivia em Setúbal. A Mariazinha tinha vivido antes numa casa na Ponte Nova. A ideia que retive da primeira casa era que tinha uma grande escadaria, a porta dava diretamente para a Rua 31 de Janeiro, logo à entrada tínhamos de subir uma escada íngrime até chegar à sala, havia mais um ou dois andares, com os quartos pequenos sendo um deles, localizado numa espécie de torre, que tinha uma vista magnífica sobre a cidade do Funchal.
Na casa, junto ao liceu, recordo as manhãs em que tinha feriado e ia lá fazer-lhe uma visita, bebia um café e uma sandes, enquanto ela na cozinha, preparava o almoço para o marido.
O marido era um militar, com uma boa patente, tinha estado em África à frente de um pelotão, usava uma farda verde escura, homem sério, de olhar duro, mas afectuoso para a mulher.
Às vezes quando tinha aulas à tarde ficava para almoçar, conversávamos as duas, eu fazia-lhe companhia. Ela lia muito, gostava especialmente de romances clássicos, como não trabalhava fora, era doméstica, fazia também crochet e malhas.
Era uma mulher pequenina, bonita, com uma boa gargalhada, muito disponível e de fácil trato. Gostava de se arranjar e estava sempre muito aprumada.
Ela tinha uma mão certa para a cozinha. Cozinhava divinalmente e geralmente pratos diferentes daqueles que eu comia em casa da minha mãe. Seguia-se um ritual que só mais tarde é que vim a compreender. Comíamos numa copazinha, uma salinha pequena e o café era invariavelmente tomado na sala acompanhado de um cigarro na mão da Mariazinha.
Ele, o marido, era um homem tipicamente machista, nada fazia em casa. Ela ponha a mesa, servia, levantava e levava o café na bandeja à sala. Tinham dois filhos, qualquer um deles mais novo do que eu, o rapaz, era muito baboso e a rapariga uma miúda enervante.
Passados uns anos o marido da Mariazinha foi transferido para o Continente, ficou colocado em Setúbal e a família mudou-se para lá.
Mais tarde e já a estudar em Lisboa cheguei a ir visitá-los e a passar alguns fins de semana com a família.
A rapariga continuava com um geniozinho especial, birrenta, o rapaz, um bom rapazinho, tímido, muito metido no seu canto.
A Mariazinha gostava muito de cães, mas daquelas amostras ou miniaturas tão irritantes quanto a filha. Nessa altura ainda não tinha perdido a minha fobia aos cães, e fazia a família prender o cão dentro de uma marquise, mas quando a pequena se zangava comigo espetava-me com o canino pela frente.
A Mariazinha era uma mulher à moda antiga, sem se anular como pessoa, vivia para agradar o marido. Tinha um problema que lhe perseguiu durante toda a vida e às vezes a deixava impotente, sofria de enxaquecas.
O marido foi o primeiro a falecer, o filho casou-se, a filha também mas entretanto divorciou-se. Sei que ela sentiu e foi-se abaixo com a morte do marido, eram o protótipo do casal que viviam um para o outro. Tinham o propósito, hoje raro, de se agradarem mutuamente e notava-se a cumplicidade entre eles.
Pelo que sei hoje a Mariazinha ainda é viva. Há uns anos atrás esteve na Madeira com a filha e a neta, esta, tão ou mais impertinente que a própria mãe, é caso para se comprovar o que diz o velho ditado “quem saí aos seus não degenera”.

13.11.2014

Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...