domingo, 31 de maio de 2015

Irmãos

Irmãos.
O calendário assinala hoje dia 31 de maio o dia dos irmãos. Lá em casa somos seis, 4 raparigas e 2 rapazes.
Não vou falar dos irmãos no que toca às suas personalidades e maneiras de ser, por uma razão óbvia, estamos todos cá e não quero ferir suscetibilidades, dando preferência a uns mais do que a outros. Vou então referir-me na generalidade e num contexto global.
Todos temos boas qualidades humanas porque fomos educados sobre valores bem diferenciados.
Cresci com eles, mais perto de uns, mais longe de outros. Partilhei desde criança, afetos, brincadeiras, cumplicidades, zangas e brigas.
Crescemos numa família onde o patriarca era a figura major. A matriarca sem ser uma pessoa apagada imponha-se pela sua presença elegante e reservada.
Sendo eu a mais nova, das raparigas, fui desde muito cedo uma menina mimada, mais acarinhada pelo pai, pelo facto de a mãe estar demasiado ocupada a cuidar de uma avó e de uma bisavó e ainda de um irmão mais novo, que desde a sua nascença requereu um pouco de mais atenção.
Ainda tenho todos os meus irmãos e com eles partilho momentos de família, comemorando algumas datas de festividade. Tenho normalmente mais ligação a uns do que a outros, atendendo á proximidade na forma de ser de cada um deles, não esquecendo que para tudo o que é preciso somos irmãos, filhos dos nossos pais, o mesmo sangue corre-nos nas veias.
A minha infância com os meus irmãos no que toca a brincadeira foi um pouco incomum, não brincamos muito, a diferença de idades não ajudou.
Lembro-me daquelas disputas banais, do lugar do sofá, do lugar à mesa, das tórridas discussões sobre quem arrumava a cozinha, dava cera no chão, puxava o lustro, lavava os tapassóis e as janelas ou regava as flores do jardim.
Lembro-me de sair à socapa com a roupa da irmã mais velha para o Liceu. O importante era fazer uma boa figura e levar roupa nova. De discutir com a minha irmã mais velha e dizer que não queria dormir com ela na mesma cama, (na época ela fazia um tratamento de pele para o acne na face e o creme que aplicava à noite cheirava mal).
Lembro-me de me incompatibilizar muito com o meu irmão mais velho, porque ele era um chato, um “engomadinho”, ia para o meu quarto tirar-me o secador e a escova de cabelo para se aprumar.
Lembro-me de sentir ciúme dos namorados das minhas irmãs, não que tivéssemos muita convivência entre nós, mas era menos tempo que elas estavam em casa e me faziam companhia.
Lembro-me de discussões tórridas com o meu irmão mais novo, cadeiras pelo ar, facas atiradas, até uma vez quase abrimos uma porta a meio. Eu como não consegui medir forças com ele, atirava as coisas, era a maneira mais prática que achei para me defender.
Ter irmãos para mim sempre significou partilha e companhia, partilha porque nas raparigas a roupa ia sempre rodando da mais velha até a terceira, graças a deus, como eu era a quarta e com uma diferença de 10 anos, fui uma sortuda nunca vindo a herdar essas peças. A minha roupa era sempre nova. Valeu-me essa essa pequena nuance.
Companhia, porque era inevitável, tínhamos dois quartos, um para as raparigas e outro para os rapazes. Companhia na mesa da cozinha quadrada, de madeira e com um tampo em fórmica vermelho. Companhia para me levar à escola, para fazer os trabalhos de casa, e alguma companhia do meu irmão mais novo para andar de bicicleta e brincar aos cowboys e aos polícias e aos ladrões.
A família é a primeira escola para a partilha, para a generosidade e para a solidariedade.
A família é isto, o primeiro espaço onde chegamos, mas não escolhemos.
Aos meus pais, que ainda nos fazem companhia, agradeço sobretudo os valores que nos transmitiram, a honestidade, o carácter e a coragem do pai, a sensibilidade a discrição e a doçura da mãe.

31.05.17



quarta-feira, 27 de maio de 2015

A Casa Branca,

A Casa Branca,
No sábado passado estive no primeiro encontro regional de pedestreanismo. Iniciamos a caminhada na Encumeada, Fajã da Égua e Chão dos Louros. Terminado o evento os vários grupos de caminhantes reuniram-se no Chão dos Louros para confraternizar. Apelou-se à conservação dos trilhos, conservação das levadas e identificação de algum património. Numa região cuja fonte principal de receita é o turismo é inaceitável a apresentação dos nossos percursos e a degradação constante das nossas serras e montanhas.
Ao regressar ao Funchal fui convidada por uma colega do grupo para ir visitar a sua casa e tomar um copo, mesmo no final da tarde. A principio ainda recusei, alegando a hora ser tardia, mas depois convenceram-me e ainda bem que aceitei o convite.
Assim que cheguei á Casa Branca, uma casa no topo do Ilhéu de Câmara de Lobos, lembrei-me de um concerto ao luar que há uns anos atrás assisti naquele jardim com o grupo Madredeus, uma coisa quase surreal e mal entrei na casa pensei se o Churchill ainda fosse vivo talvez alguém o teria convidado para ali colocar o seu cavalete e desenhar a baía de Câmara de Lobos.
Abaixo da Casa Branca e aos lados um casario descoordenado, tapumes a improvisar um ou outro quarto, escadarias irregulares, vasos de flores encavalitados, um misto de roupa secar e um gato a esgueirar-se pelo telhado de zinco. A paisagem cimeira composta por poios de bananeiras, algumas vinhas e casas grandes e solarengas.
A casa havia sido uma herança de um avô e em tempos idos foi uma habitação para 15 famílias, mais respectivos filhos e outro agregado familiar.
Restaurada e reconstituída de novo, o seu interior é semelhante a uma caixa, com vários compartimentos todos ligados entre si, traduzindo uma verdadeira casa de família. Minimalista, mas com uma magnificência estonteante, nem o seu exterior contrasta com o restante bairro, branca de janelas verdes, com um jardim ainda por arranjar, mas com áreas dimensionais superiores às casas vizinhas. 
Logo à entrada temos uma cozinha num espaço aberto e amplo, com uma zona de arrumos e casa de banho. No primeiro andar encaixa-se a sala comum, seguindo um corredor encontramos com acesso por qualquer um dos lados da casa, o escritório, o quarto de vestir e as casas de banho, terminando ao fundo desse mesmo corredor com um quarto para cada filho. No segundo piso, o quarto do casal, suspenso, “open space”, sem barreiras e com vista sobre a sala comum.
Logo, logo, o mulherio estava todo a cochichar como seria a intimidade do casal, um espaço tão aberto, sem portas, nem cortinas. Chegamos à conclusão, de que tudo é uma questão de hábitos, cada um sabe gerir muito bem os seus espaços, proximidades e privacidade. Ela, com algum humor ainda ripostou “não grito muito”, mas percebemos claramente que aquele espaço não constitui obstáculo para nenhuma manifestação de prazer. Não são necessárias portas e janelas para separar e dividir um mundo e um espaço que é só deles.
Achei sobretudo uma casa bastante funcional e prática, despojada de utilitários dispensáveis, tapetes, cortinas, quadros, jarras de flores, bibelots, e outros adornos. Apenas nos quartos dos filhos havia varias molduras com fotografias, alguns desenhos dos miúdos feitos em crianças e uns post-its no quarto da filha, que obviamente não me atrevi a aproximar para ler.
À saída da casa e junto ao jardim uma pérgula coberta por um maracujazeiro, onde se encontra uma mesa grande e rectangular pronta para uma refeição no exterior. Ainda se seguiram umas tantas selfies e fotos de grupo junto ao varandim do jardim, directamente sobranceiro à baía.
Passava das 21 horas quando abri a porta da garagem e cheguei a casa. Tudo no seu perfeito sossego, ainda descrevi ao meu marido o que tinha acabado de ver, com a eloquência de uma criança a quem se oferece um presente.
Na minha memória guardei uma casa invulgar, uma recepção calorosa e despretensiosa pela anfitriã e uns momentos descontraídos e verdadeiramente prazerosos com alguns amigos.


27-05-15

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Jasmineiro.

Jasmineiro.
Esperava um ano inteiro para receber a prenda que ela mandava pelo meu pai. No dia 04 nunca houve um esquecimento, um atraso, uma falta ou um descuido. Foram sempre até hoje as saias e os vestidos mais bonitos que recebi. De veludo ou de bombazine muito fino, com motivos florais, raminhos verdes, com aplicações no peito, de patinhos, outros animais e até de um lago. É certo que depois tinha de fazer um telefonema a agradecer e responder àquelas perguntas “sim, tenho sido uma boa menina, sempre bem comportada, estudo e ajudo a mamã e não ralho com os manos e rezo à nossa senhora para me proteger….”.
Mais crescida, quando já sabia ler, passei a receber as Historias da Anita, e ao entrar na adolescência, o primeiro livro foi as “Mulherzinhas” da Loiuse May Alcott, Quero ser Feliz, e outras publicações das Irmãs Paulistas.
Ela viajava com alguma frequência e dos locais que visitava enviava sempre um postalinho, de Fátima, do Castelo de Tomar, de Guimarães, ou do Mosteiro da Batalha. Tinha a particularidade de contar um bocadinho da historia do local, assim, desde cedo também fui viajando, quer pelos livros, quer pelos postais.
Ela era uma senhora muito educada, culta, devota de Maria, gostava do mês de Maio, alias o filho, único filho fazia anos nesse mês, gostava muito de flores, em especial de rosas.
Faziam um casal simpático ela grande, ligeiramente anafadinha, muito sardenta, com uma cara bonita, fresca e com a pele muito branca. Ele baixinho, careca, com uns óculos pretos com um fundo de garrafa muito grande, sempre muito bem-disposto. Sentia-se que entre eles havia amor e muito respeito.
Em Maio era o mês da grande festa, o filho fazia anos, e todos os anos celebrava-se o aniversário com pompa e circunstância.
Tinha fotógrafo particular, passadeira vermelha, criados a servir com blazer branco e laço preto e na cozinha as empregadas preparavam tudo com o maior rigor.
Lembro-me muito bem da casa, uma entrada particular na Rua do Jasmineiro, no quintal à frente vários canteiros de rosas de todas as cores e feitios, à entrada um grande corredor terminava com a escada ao fundo para o segundo andar. À direita ficava a sala e sala de jantar, à esquerda 2 ou 3 quartos que a senhora habitualmente alugava a pessoas de muito respeito (professores ou inspectores das finanças), a seguir a cozinha e de seguida havia um grande salão onde eram feitas as festas de anos. Esse salão era transformado em discoteca e era aí que pela tarde e noite fora se divertiam os convidados.
Logo à entrada e depois de tirada a fotografia à família, passávamos à sala e íamos ver a mesa do bolo, o tema da festa, a decoração, às vezes o filho tocava piano para os convidados (julgo que quando era mais pequeno). Apareciam logo os criados com cup de fruta em tacinhas de vidro com pé alto e elegante, eu gostava daquele sabor das frutas com o sumo e o gás da água, acepipes, canapés vários, vitelinhos, empadinhas, rissóis e umas queijadas deliciosas que eram a receita especial da senhora.
Nestas saletas e no jardim, ficavam as pessoas mais velhas, os amigos do casal, família e outros conhecidos.
Lá ao fundo no salão decorria a dança, a festa com os mais jovens, onde eu “bicho do buraco”, morria de vergonha só em pensar entrar, rondava a casa do lado esquerdo do jardim e ponha-me à porta a espreitar, quando dava muito nas vistas, voltava para trás e entrava pela cozinha e ficava sentadinha num banco novamente a espreitar.
O que eu gostava mesmo era de ir pular e dançar como os outros, mas a timidez amputava-me as pernas e ali ficava com carinha de anjo ouvindo, e apenas ouvindo a música, as gargalhadas, as palmas, a folia e o divertimento que todos extravasavam sem preconceitos nenhuns.
Afinal eram todos jovens, todos da minha geração, todos novos, iguais a mim, entusiastas da vida e dos prazeres que dela retiramos.
Às vezes, e mesmo no meio de tanto trabalho e atenção que tinha de dar aos convidados, aparecia a minha madrinha, agarrava-me na mão e levava-me até ao centro do salão e dizia “então deixaram a Luisinha ali sozinha”, então, eu sentia o chão a fugir cada vez mais dos meus pés, a cara a fumegar, e pedia a todos os santinhos que me tirassem dali. Não sei quantas vezes na vida morri de vergonha, mas nestas festas, todos os anos morria de vergonha.
Hoje, agora, acho que já não morreria de vergonha, ou pelo menos deste tipo de vergonha. A vida foi-me trazendo um pouco mais de sal e os meus dias foram tendo mais cor e um sabor de rebeldia que pouco agradou ao meu pai.
 20.05.15


terça-feira, 5 de maio de 2015

Belgais.

Belgais.
Foi um convite para passar um fim de semana em Castelo Branco em Maio de 2004.
Visitamos o concelho, fomos à aldeia histórica na Serra da Gardunha - Castelo Novo, aldeia de casas senhoriais, casas em pedra, com varandas em madeira e restos de calçada romana. No alto ergue-se o castelo.
O fim de semana incluía um evento cultural no sábado ao final do dia, assistir a um concerto de Maria João Pires em Belgais.
Para chegar à herdade, percorremos um longo caminho de terra batida, com percursos de altos e baixos, entre oliveiras e eucaliptos.
A quinta é um oásis no deserto, tudo muito plano, uma casa térrea, com sala de concertos, estúdio de gravação, biblioteca e piscina. Com um estilo rústico, artesanal e acolhedor.
A Maria João desenvolveu um projecto de ensino artístico para jovens, músicos e artistas, que de início teve um excelente impacto, mais não fosse pela descentralização da cultura numa cidade do interior, mas mais tarde acabou por correr mal e em 2009 foi posto à venda.
Houve discórdias, e desentendimentos entre ministérios e apoios concedidos, houve arresto de bens e tudo terminou de uma forma abrupta quando a pianista saiu do pais e foi para o Brasil (em 2006). Por lá ficou a viver e pediu nacionalidade.
Impressionante como nós, portugueses, temos o condão de deixar escapar grandes artistas, pessoas de valor considerável, empobrecendo cada vez mais a nossa cultura. É caso para dizer “felizes dos que os recebem”.
O centro organizava concertos, palestras musicais, tinha oficinas para crianças e ainda um coro infantil. Enquanto sobreviveu dinamizou muito a zona de Castelo Branco.
Nós chegamos num fim de tarde, calmo, de temperatura amena, para assistir a um concerto à beira de uma piscina, decorada num ambiente de velas, flores, um por do sol avermelhado contrastando com o marron da terra, assim algo bem-parecido a um estilo marroquino.
Foi calmo e intenso, cheio e sereno, viemos mais tarde a jantar num restaurante da zona, aprazível e sossegado, completando assim um fim de semana cultural a cortar a rotina de um ilhéu.

05.05.15


Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...