segunda-feira, 3 de julho de 2017

Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude.
Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável.
Levamos com terra e poeira como se estivéssemos a fazer um Paris/Dakar, em modo pedestre. Não foi dos passeios mais bonitos, mas como sempre a boa companhia, o convívio e a partilha de risos e gargalhadas foi fundamental.
O trajeto não era fácil, caminho de terra batida, com alguma folhagem, escorregadio, o que equivale a afirmar que todo o cuidado era pouco.
Era necessário muita atenção e saber exatamente onde e como colocar bem os pés. Na mínima distração a queda poderia acontecer.
E de repente num grupo que seguia um pouco mais à frente uma amiga nossa, escorregou, caiu e magoou-se no pé esquerdo. Facto que a deixou imediatamente imobilizada e cheia de dores.
Todos os amigos que se encontravam, por perto, voluntariaram-se para fazer tudo o que estivesse ao alcance. Uma amiga recém-empossada com o curso de Suporte Básico de Vida tratou logo de colocar uma ligadura e imobilizar o pé.
 Entretanto foram contactando a colega da saúde que se encontrava noutro grupo mais à frente e que foi dando as indicações necessárias. As dores começaram a sentir-se e foi com um paracetamol 1000 que a situação acalmou. Como ela não podia estar sentada, foram improvisando um espaço no chão para a estender, uns casacos, uns lenços e uns impermeáveis foram acamando uma área onde a podemos deitar. A mochila ficou juntos aos pés para proporcionar a elevação desejada.
Encetaram-se contactos rápidos para que os colegas que já estivessem disponíveis com Jeep a virem resgatar.
Enquanto aguardávamos e porque ela estava debilitada, despachamos os restos da comida das mochilas, foram bolachas, duas laranjas e chocolate.
Entretanto a amiga da saúde que não se encontrava no local, mas com quem estávamos sempre em contacto telefónico, deu indicações para voltarmos a calçar a bota à colega.
A primeira que tentou não foi capaz, olhando para a vitima que delineava um ar sofredor, e esboçou logo ali um ai profundo, a tentativa foi abortada.
A amiga que se segui pegou na bota, focou-se naquilo que tinha a fazer e muito determinada fez dois ou três gestos rápidos e disse “pronto já está” é uma questão de “atitude”.
Bom, o resto do dia passamos a galhofar com a “atitude”, de facto tudo na vida é uma questão de atitude, e se pensarmos bem, é mesmo.
Das 6 pessoas que estavam no momento em que a nossa amiga caiu, cada um á sua maneira, com aquilo que sabe ou com aquilo que está mais à vontade prontificou-se a ajudar. Impressionante que até para lhe fazer sombra à cara improvisaram ramos de giesta e outra folhagem ali á mão.
Eu quando soube que vinha um Jeep a caminho, e confesso que, muito á minha maneira, prontifiquei-me logo para a acompanhar, sempre era menos um bocadinho que andava a pé, pois o passeio ainda não tinha terminado.
Foi um gozo pegado, fartaram-se de rir da minha “atitude”. Mas os dois únicos meninos lá presentes também não estiveram melhor, um estava muito nervoso, mas como era o marido, ainda se desculpa, o outro zanzava de um lado para o outro, mexendo no telemóvel, e prestando assistência o quanto baste sempre a uma distancia elegante.
Não é por nada, digam o que disserem, mas os meus préstimos não foram os piores, pois a minha sensibilidade foi para vos transmitir este registo que ficará na historia do VL.
Sempre servi para alguma coisa positiva, do que meramente colocar-me a jeito para apanhar uma boleia.
Um bem-haja a todos os que estiveram à volta da Beth, confortando-a, prestando o melhor auxilio que sabiam e puderam.
Gostei e apreciei o voluntarismo de todos, e em especial à Luísa Gouveia, que acompanhou a Beth até ao Hospital.
O diagnostico foi uma fractura do mateolo externo perónio o que a deixará com uma tala no pé e imobilizado por uns tempos.
À Beth desejo as rápidas melhoras para regresso ao grupo.
A falta de um elemento não é substituído por outro, sente-se sempre quem já não lá pode estar, ou quem não vai poder estar por algum tempo ….

03/07/2017.




quarta-feira, 14 de junho de 2017

Navegando até às Desertas.

Navegando até às Desertas.
Partimos por volta das 13 horas, apesar de termos combinado sair mais cedo. Um imprevisto fez-nos atrasar um pouco.  Viemos a fundear nas desertas às 15 da tarde.
Com vento fresco do Noroeste, de 18 nós, com rajadas e o mar encrespado com ondulação desencontrada, navegamos até à deserta com mar pela proa, o que foi de facto um pouco mais desconfortável.
O vento foi tão desagradável que só me vinha à memoria cenas dos filmes TItanic ou Message in a botlhe…
A situação acima descrita não foi para mim de todo muito agradável. Ainda “piquei” qualquer coisa à saída, mas não tive feedback, acabei por me render ao silencio e pedir a todos os santinhos que nos acompanhassem. Pois contrariando a minha natureza, sabia que as coisas não iam ser fáceis, deixei-me ir, naquela que que apenas para mim, iria ser uma viagem menos tranquila.
Não sei se as pessoas têm noção da trabalheira que é estar ao comando de um veleiro/barco, é um não parar, da ré à proa, caça, adriça, amaina, arriba, folga, o que nós leigos na matéria, aprendemos nesse dia de terminologia náutica.
Achamos o máximo cada termo que o nosso “comandante” de bordo usava, e para ajudarmos queríamos saber as nomenclaturas todas, queríamos estar em cima do acontecimento, o que para inexperientes na matéria não era fácil, mas lá nos safamos cada um na sua maior habilidade.
Gostei imenso da forma como todos se comprometeram, para que a viajem fosse uma cena em conjunto e não apenas da responsabilidade de uma única pessoa. O António assumia ao de leve o leme, ajudava na adriça das velas e sempre que possível recolhia-se a um canto para fumar o seu cigarrinho.
A meio do trajeto já me sentia enjoada, optei por não falar nada, nada tinha para dizer para além da minha agonia, do medo que me assolava, só de imaginar o tempo que ainda levaria para chegar, não a terra, mas a uma enseada onde tudo indicava que o mar estaria mais calmo.
Valeu mal chegamos termos dado de caras com um par de lobos marinhos, e depois juntaram-se ainda mais dois, no conjunto eram quatro à volta do barco.
Valeu também as fotos que disparamos desenfreadamente na perseguição aos animais.
No inicio da travessia tinha sido comentado que nas anteriores viagens feitas às Desertas nunca se havia presenciado aquelas espécies, portanto as nossas expectativas eram nulas. Foi engraçado e deu para descomprimir, fiquei apenas com pena de não ter ido ao banho, fiquei com receio, pois os vigilantes aconselham as pessoas o não nadarem.
No regresso para variar voltei a enjoar, desta vez ficando ainda mais indisposta.
Todos estavam solidários com a minha agonia, uma das minhas amigas que estava sentada mesmo ao meu lado sofria como se tivesse encarnando a minha pessoa, eu recostei-me num cantinho agarrada a um saco preto olhando o horizonte e vendo se a terra ficaria mais perto, de quando em vez sentia a mão dela levemente a afagar as minhas costas. Eu sabia que todos os outros estavam preocupados, mas não se atreviam a soletrar uma palavra. Mais nenhum de nós enjoou, ficou indisposto ou passou mal.
Ao chegarmos ao Caniçal, já não me lembro de quem foi a ideia, ainda quiseram petiscar qualquer coisa, não sendo “desmancha prazeres” acompanhei com uma água das pedras e dois carapauzinhos, não podia nem devia fazer a desfeita, mas aqui para nós, custou-me imenso.
Àquela hora já me apetecia ter recolhido bem em terra, bem no meu espaço, bem na minha casa, muito bem na minha cama.
Amigos, gostei muito da vossa companhia, foi um prazer estar convosco. Pedro és um querido, mas só volto a acompanhar-te numa viagem pela costa, assim uma coisa pertinho, tipo Baía de Abra, enseada de Machico, onde não perca nunca a imagem da terra por perto, se possível bem próximo do meu nariz.

14.06.17








sexta-feira, 9 de junho de 2017

De barco

De barco.
Não tenho ideia de quanto tempo levava o barco até à Ribeira Brava. Sei que, a viagem se fazia no Verão, enjoava qualquer coisa e tinha uma certa dificuldade a entrar e sair quando a embarcação acostava no caís e fazíamos o transbordo para terra. O barco tinha um toldo, para cobrir do sol ou da chuva que se fizesse sentir.
Ainda mareada íamos de autocarro até à Ribeira, e descíamos a pé até à Madalena do Mar. O autocarro era de bancos corridos, revestidos a napa castanha avermelhada e os vidros puxavam-se de baixo para cima. Havia o condutor e um “bilheteiro”, que circulava pelo autocarro sempre que entrava uma pessoa ou saía outra. Quase sempre dirigia-se à parte lateral do autocarro, ao porta bagagens, para ajudar a tirar uma sacola e uma data de compras fruto da viagem feita até à cidade. Tinha uma bolsa de couro castanho-escuro a tiracolo e na mão uma dose generosa de bilhetes de todos as cores que mais parecia um arco-íris. Fascinava-me tanta quantidade de cores e aqueles pedacinhos de papel muito fininhos. Dentro da sacola, sempre com um peso considerável, guardavam-se as notas de escudo e as moedas pretas.

A casa ficava situada numa zona nobre da vila, no Sítio do Passo na Madalena do Mar. Ainda hoje lá está, directamente virada para o mar, com uma porta verde de madeira, e por cima, orgulhosamente desenhado no cimento o seu ano de construção. Nessa casa viviam os progenitores de um casal amigo dos meus pais.
Eram pessoas com algum reconhecimento na freguesia, os filhos, tinham sido bem encaminhados na vida, havia um padre, uma professora e uma advogada. Da família da mulher do casal amigo dos meus pais, existiam freiras, uma estava em Lisboa e outra aqui no Convento de Santa Clara, havia uma irmã que vivia na Ribeira e uma outra que vivia na Lombada da Ponto de Sol e que curiosamente só tinha filhas, pelo menos umas três.
Mas não era nesta casa principal que nós ficávamos. Subíamos por uma entrada particular mesmo ao lado, virávamos à direita, continuávamos sempre em frente e curvávamos à esquerda. Ali ficava uma casa humilde, bem mais pequena do que a outra, rodeada de bananeiras, poios e regos. Gostava muito do terraço, com vista sobre o mar. Ali devorei o mais belo por do sol, sentava-me no chão de cimento e ficava a ver o sol a pôr-se, o céu a ficar cada vez mais vermelho, descaindo para o laranja, baixando suavemente na linha do horizonte e aquela matiz vermelho alaranjado ia subtilmente se misturando no azul do mar e no escuro do céu e de repente ficava tão longe, tão distante e os meus olhos deixavam de o ver e ele perdia-se para lá do horizonte. Só o tornaria a ver no dia seguinte. Era um momento mágico. Eu absorvia para não mais esquecer aqueles silêncios quentes. E pensava, para onde iria entregar luz e cor e a quem iria aquecer.
Às vezes na linha do horizonte apontava um navio, eu queria saber para onde seguia aquele barco, quem levava, o que faziam as pessoas que iam lá dentro, tantas perguntas, tantos quês, que ninguém me respondia, até porque eu também não me atrevia a perguntar.
Por ali ficava, nunca mais do que uma semana, ia sempre com uma irmã do meio. O homem da casa tinha emigrado para França e havia deixado em Portugal a mulher e 4 filhos, todos rapazes.
Apesar de serem rapazes não me intimidavam, eu sempre estive habituada a brincar com os rapazes, nasci, no meio de dois, tenho um irmão mais velho e um mais novo. No Funchal, a vizinhança era composta por rapazes, por isso as brincadeiras eram muito mais masculinas do que femininas. As bicicletas, a bola, os carrinhos de verga, as pistolas eram os meus brinquedos. Não me recordo de ter tido muitas bonecas, lembro-me apenas de uma mulher da Nazaré, oferecida pela minha madrinha, era uma boneca grande e com muita roupa, sete saias, e alguns colares a imitar ouro, aquilo fazia-me uma confusão. Ainda esteve em cima da minha cama uma serie de anos. Hoje em dia brinquedos, bonecas ou quaisquer resquícios de brincadeiras de infância não restam nenhuns.
Os rapazes que viviam na Madalena do Mar eram durante essa semana os meus únicos companheiros de brincadeiras, das idas à praia, dos passeios até o caís passando pelo bairro dos pescadores, das visitas à igreja e ao salão paroquial.
Atravessa a rua só de fato banho e toalha em cima do ombro, ora descalça ora de chinelas de meter o dedo amarelas, tipo havaianas.
O mais velho era muito apaparicado pela mãe e por uma tia, eu pessoalmente dava-me muito bem com um da minha idade, os outros dois eram mais pequenos, muito chorões e andavam sempre debaixo das saias da mãe. Foram todos para França, vivem lá há muitos anos e há muitos anos que também não os vejo.
Mais tarde, já todos em França soube que os pais se divorciaram, na verdade nunca se deram bem, assisti a muitas discussões, o marido era ciumento e autoritário, a mulher por seu lado não gozava de um bom feitio, como se costuma dizer, tinha pelo na venta.
Na Madalena também havia família da parte do meu pai, pelo menos duas primas, e soube há bem pouco tempo que a minha bisavó, uma senhora muito alta e de olhos azuis, filha única de uma família da Calheta, porque namorou e decidiu casar-se com um rapaz que não era da mesma classe social que a dela foi deserdada e acabou por ir viver para a Madalena.
Não sei se é pela experiência vivida mas hoje em dia ainda sinto um prazer muito grande em passar pela marginal da Madalena, olhar a casa, que entretanto foi vendida, mas encontra-se igual à que era, sentir o calor do sol de um fim de tarde e imaginar-me sentada naquele chão de cimento de um pequeno terraço à espera de mais um terminar de dia.
Curiosamente, há uns dias atrás e depois de uma caminhada, por momentos regressei à minha infância e observei um por do sol semelhante àquele em que assistia na Madalena do Mar, quando era uma miúda entre os 8 e os 9 anos.
Foi no Calhau das Achadas da Cruz, que por breves instantes vivi alguns momentos de uma boa nostalgia contemplando o fim de um dia.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

junho

Junho.
Junho é o sexto mês do ano que marca mesmo o meio do ano, o mês onde se comemora logo de início o dia da criança, mês de Portugal, dos Santos Populares, mês onde o Sol atinge o seu ponto mais a norte na sua trajetória pelo céu, por isso os dias são grandes e cheios de luz.
Em casa dos meus pais o hábito era comemorar o São João. Fazíamos uma ceia, atum salpresado, semilhas com casca, feijão e maçarocas. Enfeitava-se o quintal com balões ás cores, às vezes fazíamos uma fogueira e saltávamos e fazíamos sortes. Tinha uma vizinha que sabia fazer essas coisas, com um prato, água e uns papelinhos com o nome dos nossos apaixonados, que ponhamos de véspera, no outro dia o que aparecia aberto seria o próximo namorado. Não me lembro de nenhum dos meus nomes, se calhar nunca se abriu nenhum papel, é o mais certo.
Quando fui para Lisboa estudar era o Santo Antonio, de 12 para 13 de junho, ia para os bairros, ia quase sempre com o meu primo, houve um ano que não pude ir porque tinha um exame e ele bateu-me à porta de casa com uma sardinha no meio de uma carcaça e um manjerico.
Junho também era também o mês do final das aulas, avizinhavam-se as férias grandes, com dias intermináveis. Aqueles dias parvos, que não acabavam nunca, onde nada se passava. Não havia nada para fazer, era um dia em cima do outro, a ouvir o barulho das moscas, a passar os dias a devorar livros e a esperar que as minhas irmãs tivessem paciência para me levar à praia.
Eram três meses difíceis de passarem, às vezes ia para Santa Cruz (para casa das tias), outras para a Madalena do Mar, mas normalmente ficava por casa. Como não tinha irmãos da minha idade ou aproximados, o mais novo como era rapaz ia brincar para casa de uns amigos dele que viviam numa quinta abaixo da minha casa. Foi ali na companhia de mais dois rapazes, (para além do meu irmão) que aprendi a andar de bicicleta, a fazer fisgas e com isto ganhei muita descontração em lidar e conviver sem tabus com todos os rapazes.
Eu era tímida, mas não ficava rogada, nem corava em frente dos miúdos.
Hoje o mês de junho aproxima-me das férias, agora em vez de infindáveis, rápidas que se passam com uma ligeireza absurda, aproxima-me dos filhos que estão aí a chegar nas férias da faculdade, aproxima-me das idas à praia, dos jantares na varanda, da comida mais saudável e ligeira, dos convívios com os amigos, das roupas leves, claras e frescas.
Junho já aqui está e com ele vêm as noites cálidas e aquela brisa de fim de tarde que nos transporta para viagens e sonhos nem sempre atingíveis.

01/06/2017




quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Férias e coisas assim….

Férias e coisas assim….
Ainda era Agosto e o mês levava uma semana e uns dias mais para terminar. Chegamos à ilha num sábado, num belo dia de sol.
Quando para ali vou, gosto de cortar com o resto, com o que deixei, com o que ficou para trás. As férias são para mim um virar de página, quero estar noutro registo, rompo com as rotinas que tinha em trabalho e no meu quotidiano. Crio outras rotinas, que serão as daqueles dias que em nada são semelhantes ao período de trabalho. É o meu tempo de lazer, do dolce fare niente, da troca de horários, da mudança da indumentária e do calçado, dos cabelos ao vento, despenteados, do gloss nos lábios e nada mais…
Nesse sábado, à noite, fomos jantar a casa de uma das minhas sobrinhas. Tudo seria perfeito, não fosse o peixe ter pouco sal. Não me lembraria de vir a comer em Porto Santo, salmonetes grelhados e não só, também apareceram pargos, bodiões e charuteiro. Acompanhava uma fabulosa salada de tomate do Porto Santo (aquele cultivado nos terrenos arenosos), salpicada de orégãos secos, outra de vários tipos de alfaces e rúcula e umas batatas cozidas com casca e salpicadas em azeite. Regamos com sangria de frutos vermelhos e vinho branco e terminamos com uns suculentos quadrados de melancia.
Antes do repasto e como é apanágio da minha sobrinha, começou a chegar à mesa entradinhas deliciosas, beberas pretas, queijo da Ilha de São Jorge, patê e salsichas de ervas frescas grelhadas.
A noite prolongava-se quente, aconchegante, os comensais muito heterogéneos, uns conhecidos naquele momento, mas nem por isso inibiu o desenrolar das conversas à volta das mesas. Outros, amigos comuns, com mais ou menos proximidade, proporcionaram um ambiente descontraído, leve e despretensioso.
Nos dias que se seguiram o ritmo foi sempre calmo, de manhã fiz caminhadas, à tarde praia, à noite passeios pela vila, idas ao café e “assaltos” às lambecas. Levei dois livros que fui lendo intervaladamente.
Lá em casa, as tarefas distribuíram-se sem qualquer imposição, creio eu, cada uma de nós assumiu aquilo em que está mais confortável, eu andava pelos tachos e panelas, a minha irmã nas limpezas, de vassoura na mão, expurgava todo o grão de areia que via pela frente.
Ela era a primeira a acordar, fazia um café bem forte. Quando me levantava já havia pão fresco e fruta comprada no dia. A meio da semana chegou uma outra irmã (a matriarca da família), que automaticamente ocupou o meu lugar na cozinha. Fiquei mais liberta para os meus devaneios de pensamento livre, leituras, músicas e passeatas.
A casa ficou mais cheia, o único homem ali existente, foi sendo excessivamente mimado, ora nas ementas preferidas, ora nos cafés a frequentar, nas horas de ir à praia ou até na escolha da mesma para passar o fim de tarde.
Com algum esforço ainda fiz um churrasco em casa para amigos e família, contei com a gentileza de um amigo do marido da minha sobrinha, porque efetivamente o António ficou sempre na retaguarda, mesmo sendo no dia de folga/descanso. Se existem coisas que tenho cada vez mais certeza é de que o meu marido nunca vai liderar uma cozinha e organizar um churrasco. Tenho tido uma luta inglória, já lá vão 23 anos de muita persistência.
Foi um sucesso e começou a sair muito bem a sangria de frutos vermelhos. A entremeada, as febras e as costeletas foram chegando à mesa, acompanhavam as batatas cozidas com casca, uma salada verde e outra de tomates do Porto Santo com lascas de cebola e orégãos.
À noite observávamos a lua, talvez para sentir mais energia e sintonizar forças positivas. Numa dessas observações, discutimos a fase que decorria, eu sabia que em forma de D a lua estava a crescer (quarto-crescente) e que em forma de C a lua estava a diminuir (quarto minguante). A lua crescia para Lua Cheia, mas o meu marido e a minha irmã entendiam ao contrário, ainda ripostei vivamente, depois deixei-me ficar e passados dois dias não havia como negar os factos, o céu apresentava uma Lua Cheia, bem iluminada, o brilho e o luar da noite, acabaram por silenciar as vozes discordantes.
Houve uma noite em que ficamos à conversa, as três irmãs foram recordando vivências da infância, pormenores que uma delas se lembrava num espaço mais próximo, entretidas gargalhamos, rimos e esboçamos sorrisos até bem tarde.
Ainda numa outra noite e numa deslocação rotineira à vila assistimos a um Festival Internacional de Folclore, apanhamos um grupo da Galiza, com gaita-de-fole, instrumento popular, que eu julgava ser mais típico dos irlandeses e escoceses, mas que no fundo também tem origens em Espanha (grupo ibérico, franco, bretão). Foi um espetáculo animado, com miúdas jovens e muito bonitas, os trajes eram riquíssimos. Deixou-me bastante surpreendida. Afinal ainda existem coisas que nos surpreendem, mesmo sendo numa “terra do nada”….

16-09-15

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Era um Fiat 600 Branco,

Era um Fiat 600 Branco,
Estas noites grandes e quentes de Verão são excelentes para recordar o que já lá vai. Neste fim de semana e em casa de uns amigos falávamos das nossas saídas, dos bares e das discotecas que existiam.
Vim a lembrar-me das minhas “aventuras” com uma amiga que conduzia um Fiat 600 Branco. Pequeno, ligeirinho, arrumava-se em qualquer espaço. A coisa depois evoluiu para um Renault, um Fiesta, um Nissan Micra e por aí adiante ….
As miúdas à sexta-feira iam jantar em grupo ou sós, conforme calhava, mas o certo era passarmos invariavelmente pelo Salsa Latina.
Mal o bólide apontava na Imperatriz Dona Amélia, os nossos olhos não paravam para ver as matrículas e os carros já estacionados. “Já está”, “ainda não chegou”, “deve ter vindo de boleia”…. confesso que muitas das vezes ela perguntava-me “viste já o carro estacionado”, e eu, não fosse a rapariga inverter a marcha rumo à rua do Til, dizia convictamente “ está ali, já vi” , estaciona tu à frente, tens um lugar.
Mesmo antes de chegarmos ao Salsa, já ouvíamos a música, os Salsinhas tocavam pela noite dentro, as nossas músicas, os nossos hits, aquela que nos prendia o olhar e cortava a respiração, aquela que nos fazia borbulhinhas na barriga, que nos corava, que nos deixava os braços em pele de galinha.
Um dos músicos tinha uma relação de amizade de longa data com a minha amiga, amigos de liceu e de matinés dançantes em garagens, e a música quase que se tornava em “música pedida”, ele tocava “You are so beautiful” do Joe Cocker e lá íamos nós para junto do balcão de copo de Whisky na mão (copo fino e alto com muitas pedras de gelo), e cantarolávamos pela noite dentro.
Não precisávamos de mesa, sempre preferimos ficar de pé junto à banda ou na esplanada, encostadinhas a um parapeito de uma janela. Eu gostava muito de ouvi-los cantar Rolling In The Deep, Creedence C R (Have you ever seen the rain), Cat Stevens (Father and Son), James Taylor (you’ve got a friend), Eric Clapton, Elton Jonh e não me esqueço nunca como ele cantava e/ou imitava na perfeição a voz do Paulo de Carvalho.
Ficávamos para ali até às 2 da madrugada (hora em que o bar encerrava), não seguíamos para a discoteca, porque já nessa altura não eramos muito adeptas dos ambientes fechados.
Mas ninguém se esquece das velhinhas Vespas em cima da Ponte do Ribeiro Seco, do Barbarela e do Bar On The Rocks no final da Carvalho Araújo.
O Fiat 600 também ia para os jantares do grupo ou por vezes ficava estacionado no Largo do Colégio, que era o nosso ponto de encontro, escolhíamos restaurantes onde pudéssemos estar à vontade e fazer barulho, no Restaurante do Poiso, na Camacha, era a Televisão, o Regedor e o Café Relógio, no Caniçal íamos para o Bar Amarelo, no Porto Novo, era a Feijoada por debaixo da ponte e em Camara de Lobos, o restaurante da praia.
Quando íamos só as duas ou com mais amigas, optávamos por uma Pizzaria que existia na Avenida do Infante, que também tinha esplanada, chamava-se A Rampa e escolhíamos uma pizza de nome “Diana”, ou o Mama Mia no Restaurante Fora de Horas, no próprio Salsa Latina (que servia umas lulas divinais) ou um de grelhados na chapa que existia no terraço do Centromar e do qual não me recordo o nome.
Este Fiat ainda foi do tempo em que os portugueses recém - encartados ostentavam na traseira um dístico indicador, circular de cor amarela e com a inscrição do número “90”. Isto indicava ao condutor traseiro que conduzia um outro condutor com menos experiência. Para mim ficava mais confiante, o aviso já estava feito, convinha os carros não se colarem muito atrás e deixarem um espaço de segurança.
Eu ainda não tinha carta de condução mas sabia muito bem ditar as regras e as prioridades, para evitar os vermelhos e quando o sinal estava verde, era caminho a direito, mesmo que fosse uma subida, dizia ”prego ao fundo”, quando tínhamos forçosamente de parar porque o sinal estava vermelho e mudava para o verde, dizia, “para” “puxa o travão de mão e arranca”, e depois era aquela coisa “passa, vem mais a direito, para a frente, roda só a traseira, não dá, vai bater, pronto já está, para ….”
Aquele Fiat ainda nos levou a rallies, para o Poiso, Terreiro da Luta, Monte, e durante uma serie de anos transportou-me todos dias, na hora do almoço, quando vinha a casa da minha mãe.
À condutora do Fiat devo a minha pontualidade de hoje, nunca respeitei os horários, era sempre uma pessoa super atrasada, até um dia que me meteram na linha…
Devo à condutora do Fiat muitos anos de uma boa conversa, de um bom ombro amigo, de boas gargalhadas, de alegrias, mas também de algumas tristezas, angustias e de lágrimas nos piores momentos.
Ficam e morrem connosco histórias, confidências, partilhas de momentos mais angustiantes, onde a vida parecia que tinha andado para trás, ilusões e sonhos sem data marcada, encontros onde tudo tinha uma dimensão maior do que devia de ser, porque tudo era vivido com uma intensidade acrescida. Ah! Ingénuas que fomos….


19.08.15

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Carros, Rali VM e tolerância de ponto,

Carros, Rali VM e tolerância de ponto,
A propósito do grande evento que aí vem, o Rali Vinho Madeira de 2015, esta semana andou uma série de gente num frenesim a querer saber se haveria tolerância de ponto na sexta-feira dia 31 de Julho.
Desde já digo, escusam de comentar e de criticar a minha posição, e peço desculpa a quem muito aficionado é a estas coisas de bólides e corridas, mas considero insensato atribuir uma tolerância de ponto para que toda a função pública acompanhe o rali.
Já produzimos pouco, já trabalhamos sem objectivos, sem critérios rigorosamente definidos, sem motivação e sem entusiasmo. Estamos na Europa (lá bem no fim do fim….) mas não usufruímos salários mínimos equivalentes a outros países daquele grupo. O ser humano reage a emoções, não havendo troca, compensação justa e equitativa, porquê se esforçar, porquê trabalhar com brio profissional e bem. Qual a mais-valia, qual o proveito, qual o retorno de um trabalhador exemplar?
São poucas as pessoas que por uma questão de atitude, de consciência e de postura, põem em tudo o que fazem o seu melhor, esmeram-se, fazem um bom trabalho porque assim tem de ser feito. Está em causa a própria pessoa, a sua integridade, e o seu bom desempenho.
Seja como for, para mim não é consensual, uma ausência ao trabalho, por motivos de uma prova automobilística.
Mas as pessoas opinam segundo as suas convicções e as coisas que lhes dão satisfação e contentamento e de facto já escrevi antes e volto a repetir não sou fã de bólides.
Não gosto de conduzir, nem de estacionar carros, nem tão pouco de fazer inversão de marcha. Apenas conduzo por necessidade e por uma questão muito importante na minha vida, a minha independência.
Nunca teria um carro descapotável, porque nunca saberia se olhariam para o carro ou para a pessoa que o conduz.
Também nunca teria um carro vermelho, nem necessito equacionar os motivos.
Gostaria de às vezes ter um bom Jeep, que jeito me daria?! Cruzo a Avenida do Mar quatro vezes por dia e assisto a cada cena, uma mais deplorável que a outra.
As cabeças vão ziguezagueando, lado esquerdo, lado direito, abre vidro, fecha vidro, endireita o espelho, faz pisca e não muda de marcha, pára no semáforo amarelo, quando estamos cheias de pressa, etc, etc…
Agora que estamos no Verão anda tudo mais lento, a cidade enche-se de continentais, espanhóis e emigrantes, que ao invés de conduzirem, passeiam a família, mostram orgulhosamente o quanto evoluiu a terra que os viu nascer.
A Avenida vai cheia de miúdas giras, mais despidas e mais atraentes, como o calor assim obriga. Na nova Praça do Mar estendem-se os putos a praticar skate, improvisam plataformas e executam manobras de baixos e altos graus de dificuldade. Exibições fantásticas, cujos cenários por vezes embaraçam o trânsito.
Mesmo não gostando de carros e porque há coisas e há pessoas a quem não podemos dizer que não, aqui há muitos anos quando os meus miúdos eram pequenos participei através do Infantário que eles frequentavam num rally paper.
Ia morrendo de enjoo, decoramos o carro todo, o tema era os planetas, e o carro tinha a Lua, o Sol, Marte, Júpiter e Plutão. Desempenhava o papel de co-piloto e tinha a incumbência de além de transmitir as mensagens padrão, completar as respostas, seguindo as pistas, olhando para os papéis, escrevinhando, entrando e saindo do carro à procura de coisas e de objetos. Cheguei heroicamente ao fim e bem colocada porque não gosto de perder, nem a feijões.
Espero muito sinceramente que os madeirenses aproveitem o primeiro fim de semana de Agosto, desfrutando do rali, e já agora só para que fiquem a saber o meu carro é um simples Renault Clio, cinza prata.

24-07-15

Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...