E tudo se foi….
Os pais dele eram padrinhos do
meu irmão mais novo e nossos vizinhos de rua. Viviam umas 3 casas abaixo da
nossa, na Rua da Carne Azeda. Era uma quinta grande que cruzava com a rua do
Til. A casa estava interiormente dividida em duas, de um lado vivia os
padrinhos do meu irmão, do outro lado o cunhado deles.
Naquela casa aprendi a andar de
bicicleta, a brincar só com rapazes aos índios e aos cowboys. Nas férias íamos
para lá brincar, havia muito espaço, do lado casa do Til, até tinha uma fazenda,
um levadeiro, um jardineiro, era tudo muito grande.
O casal tinha apenas dois
filhos, rapazes, um muito tímido, de poucas falas e outro mais extrovertido. O
mais novo era o amigo do meu irmão e eu atrelada ia para lá passar as tardes.
Lembro os lanches que a mãe nos
servia, ou a empregada, tinham sempre uma empregada diferente, iam mudando com
frequência, os gelados de leite e de chocolate confeccionados em casa, os bolos
de leite com queijo e os sumos de laranja, a maior parte das vezes comíamos no jardim,
outras vezes íamos lanchar à copa, não se comia na cozinha.
A mãe, a madrinha do meu irmão,
não trabalhava fora, mas depois dos miúdos crescerem, ela durante o período da
tarde ia para a loja. A loja era uma casa de bordados muito antiga, junto à Sé,
onde hoje funciona a Godiva. A senhora era muito elegante, arranjava o cabelo
sempre ao alto e espalhava uma dose generosa de laca. Ainda havia na casa uma
figura bem carismática, era uma tia deles, irmã do pai, solteira, muito bonita
e magrinha. Quase mandava mais na casa do que a madrinhas do meu irmão. O
padrinho era um homem magro, com uma voz muito fininha, tinha um Opel Kadett,
beije clarinho, era muito amigo do meu pai, presença constante todos os
domingos em minha casa antes do almoço. Tratava a esposa pelos dois primeiros
nomes próprios, tinha algumas semelhanças com o meu pai, de estatura baixa e
careca.
Tinham um estilo de vida muito
superior ao nosso, organizavam festas nos aniversários, com empregados a
servir, passadeiras vermelhas, tudo cheio de muito glamour.
Um dia, a madrinha do meu irmão deu
entrada numa clínica para ser submetida a uma cirurgia normalíssima, à
vesícula. Tudo correu muito bem, até que no pós-operatório, a senhora
manifestou sinais febris, e de repente faleceu, julgo, que com um diagnostico
que nos dias de hoje se apelida de sépsis. Foi uma morte algo suspeita mas a
família não quis se pronunciar.
A partir da morte da matriarca
da família, aos poucos tudo se foi desmoronando. A Tia continuou a viver com o
irmão, que entretanto foi afogando as suas mágoas no álcool e no jogo. De
repente foram perdendo os bens, ouvimos dizer que o senhor tinha arranjado uma
namorada mais nova e daí até o desentendimento da família foi um ápice.
O amigo do meu irmão era o filho
mais novo, foi para Lisboa estudar, tirou um curso de técnico de aparelhos
dentários, abriu um laboratório no Funchal sem grande sucesso e tudo o que se
seguiu teve a mesma sina, um restaurante, uma loja de flores, etc, etc…
Hoje o rapaz está numa idade próxima
a 50 anos é solteiro, vive em Lisboa numa pequena casa alugada, trabalha e a
vida não lhe tem sorrindo tanto como nos tempos de outrora, como na sua
infância de ouro. É uma excelente pessoa, demasiado honesto e extremamente
ingénuo para a idade que tem.
Havia também uns primos, filhos
de um economista ou gestor, eram 4 rapazes que de vez em quando juntavam-se às
nossas brincadeiras. Eu continuava sendo a única rapariga. Também esta parte da
família teve um fim um pouco inusitado. O pai assumiu-se sexualmente e separou-se
da mãe, um dos filhos fez o mesmo, outro foi diagnosticado já na idade adulta
uma do foro psiquiátrico saíram da Madeira e foram viver para Lisboa.
Hoje a casa está transformada
numa creche e jardim-de-infância, o amigo do meu continua a viver em Lisboa,
não tenho ideia de ter vindo à Madeira nestes últimos anos e o filho mais velho
está com uma vida familiar e profissional bastante estável.
30.09.14