quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Lisboa

Lisboa
A ida para a faculdade foi tudo o que de melhor me podia ter acontecido, foi o despertar para a vida, foi um outro mundo à minha espera.
Fui viver para um apartamento no Lumiar, tinha uma colega em Medicina e partilhava o quarto com uma de Engenharia Química. O curioso da situação é que não conhecia nenhuma das duas. Naquela altura nem se colocava a questão “e se me desse mal com ela ou com elas”, era assim e pronto.
Assim dei início a uma data de experiências novas, desde aprender a gerir uma mesada, a confeccionar sopa, a engomar, a acordar com despertador, enfim a tomar conta de mim.
Coisas nunca vistas e experienciadas pela primeira vez era o metro, os comboios, os autocarros de 2 andares, os eléctricos, os elevadores e o rio Tejo, que ingenuamente confundi com o mar. Os grandes armazéns do Chiado, o Grandela, o Braz e Braz, cheio de panelas penduradas nas grandes janelas viradas para o Rossio, os Telefones dos Restauradores e a Estação de Comboios. Eram edifícios tão grandes e tão imponentes, aquilo sim, era uma cidade.
Por mim já me sentia, como se estivesse numa outra cidade europeia tipo, Paris ou Madrid.
Tudo era novidade, até o simples gesto de obliterar os bilhetes no autocarro, na minha terra ainda existia o bilheteiro, cuja tarefa era vender e cobrar os bilhetes aos passageiros.
Pela primeira vez provei alheira e não gostei, mais tarde aprendi a gostar, e solha, salmão, pescada, lulas, rissóis, couve com salsichas enroladas, coisas que até a data não passava pelo cardápio da casa dos meus pais.
Em casa, a minha mãe não gostava de mariscos, portanto não se comia peixe que tivesse esse sabor característico, alias, o peixe que se consumia lá em casa era o atum, carapaus, bodião, pargo e espada.
Pela primeira vez fui comer a um restaurante chinês com o meu primo, e fiquei fã do The Great American Disaster, sempre que podia frequentava o do Marquês de Pombal.
Tudo era tão diferente do sítio que temporariamente tinha deixado para trás, eu gostava daquela cidade aberta, das colinas, das grandes avenidas, dos passeios largos, da luz, do céu azul e do frio do inverno, do calor do verão, dos eléctricos, dos comboios e do castelo.
Tudo tinha uma dimensão demasiado grande para o que a minha vista alcançava, as senhoras bem aprumadas a passear nas avenidas e a lanchar nos cafés, os rissóis, os panados, o supermercado Modelo em Entrecampos, a quantidade de marcas diferentes de iogurtes, Yoplait, Mimosa, Danone e o leite Vigor.
Lembro-me de uns centros comerciais emblemáticos, as Amoreiras, o Imaviz e o Apolo 70, e particularmente de uma loja que havia neste último “Sempre em festa” onde eu comprava, blocos cheirosos, canetas e lápis com sabores a fruta.
Recordo-me das lojas de roupa na baixa, os Porfírios, a Casa Africana, a Madame Campos (na Rua Braamcamp), onde eu adquiria o desodorizante com cheiro a maçã ou a flor de laranjeira e a Loja das Meias, que vendia as meias de seda de uma marca francesa, da qual agora não me recordo o nome, eram caríssimas mas duravam muito mais do que os collants normais. Os cinemas Londres, São Jorge e Apolo 70, os snacks do Londres e do Galeto e o chocolate quente da pastelaria Suíça.
O café Conde Barão junto da cantina universitária do Lumiar e o Trenó, também no Lumiar, pastelaria dos galões e dos bolinhos dos sábados e dos domingos.
Conheci muitos recantos de Lisboa com a minha colega de quarto, ela dizia que tinha conhecido a cidade andando de autocarro.
Com o meu primo, conheci o Bairro Alto, a Alfama, a Graça, Sintra, Almoçageme, a casa da Ulgueira, e outras tantas viagens que foi fazendo com ele por Portugal adentro, Alentejo, Algarve, Zona de Setúbal, Tróia, etc .
Mas também havia coisas que me desagradavam, não gostava das manhãs de inverno na paragem do autocarro e do nevoeiro que não me permitia ver ao longe o número do autocarro, das pessoas apinhadas até à porta, de viajar de pé, dos primeiros domingos que passei sem a minha família. O domingo era um dia que deprimia, não terminava nunca, estava tudo morto na cidade, até os autocarros escasseavam e andavam vazios, a cantina fechava, era um verdadeiro tédio. Quando não recebia o telefonema do meu primo para ir almoçar lá a  casa, tinha de me confinar ao espaço de um quarto minúsculo ou de uma cozinha. Sim, porque as regras da casa eram muito explícitas, a sala não era para ser usada, só podíamos entrar excepcionalmente para levar uma visita e do sexo feminino, rapazes ficavam à porta. Os rapazes que tinham permissão de entrar no apartamento eram o meu primo, o meu irmão e o primo e o irmão da minha colega de quarto.
Eu até entendo que sendo 3 raparigas houvesse a necessidade de por alguma disciplina na coisa, mas sempre achei que era um exagero aquelas regras, afinal éramos todas estudantes, com idades aproximadas, eu era a mais nova com 18 anos mas as outras duas tinham só mais 2 ou 3 anos do que eu.
Mesmo assim, nunca deixei de sentir, de dizer e de escrever ainda com alguma nostalgia que foram dos melhores anos da minha vida.

25.02.2015

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Observando

Observando
Andava eu a estudar e muito me distraia com o prédio da frente. O estudo não era assim tão concentrado e a motivação era mediana, a máxima era “não perder nenhum ano”, a partir daí ter um 10 ou um 18, naquela altura tanto me fazia. Passava algum tempo na janela e na varanda olhando a vida que supostamente as pessoas levavam nos prédios da frente. Deve haver alguma explicação do foro Freudiano para estes comportamentos.
Também quando vinha no autocarro, ia olhando para cada pessoa e imaginava como era, o que fazia, onde vivia, ou quando vinha sentada e olhava pela janela e via uma fila de carros imaginava ser o pai o condutor, a mãe na condição de passageira do lado, no banco traseiro, duas criancinhas e uma senhora mais velha que devia por certo ser a avó, ou uma tia solteira.
Há dias dei por mim a observar os clientes do supermercado, então vamos a isto. Um homem com ar de sedutor, às 19:30 junto á caixa do supermercado pousa o ser carrinho de mão e sai - uma garrafa de vinho tinto, uma embalagem congelada de lasanha, queijo, fiambre, tostas integrais, iogurtes e laranjas. Bem, pensei para comigo própria, aqui está um solteirão ou divorciado, que vem quase todos os dias às compras.
Raramente encontro famílias completas, pai, mãe e filhos, com a vida agitada que temos mais facilmente vai o progenitor ou a progenitora, alguém fica segurando a ponta do outro lado, seja com o trabalho, com os filhos, com a avó, com uma ida ao ginásio, ou com outra tarefa qualquer. Eu própria não sei há quanto tempo não vou ao supermercado acompanhada. Por regra vou sempre sozinha.
Gosto de ir ao cinema sozinha, ver aqueles melodramas, que me deixam com a lagrima ao canto do olho, escolho um sábado ou um domingo à tarde, porque se for num dia de semana à noite encontro sempre alguém que fica o olhar para mim e lá dentro deve questionar “o que faz esta sozinha à noite no cinema”.
Não gosto nada de conduzir, mas se me encontrarem a conduzir de vidros fechados é porque vou de certeza com a música em decibéis pouco apropriados. Sabe tão bem ouvir música alta. Música alta é para se ouvir só, quando se tem companhia já não é a mesma coisa.
Gosto dos meus momentos, de estar só, mas não gosto de estar ou pensar que um dia poderei estar só. Estar só por gosto, não por condição, faz toda a diferença. Uma boa companhia faz bem à alma. O homem é um animal de hábitos, sociável, de comportamentos moldáveis.
Pode ser preconceito meu, com certeza, mas sair à noite sozinha não sou capaz, fico com a sensação que tenho as pessoas a olharem para mim, “aí coitadinha, está só a rapariga”.
Não me choca ir às compras sozinha, ir à praia, almoçar uma vez ou outra, depende do espaço escolhido.
Viajar sozinha, não obrigada, é triste e como já não vou para nova na idade, a minha condição, não me permite imaginar que noutro canto do mundo, seja lá onde for, vou encontrar uma companhia mágica, uma alma caridosa que me dispense dois dedos de conversa, por isso viajar só, é impensável.
Existem coisas que ficam bem e completas a dois, há outras porém que dispensam uma multidão e outras ainda que se bastam a si próprias.
Há alturas em que nada precisa de ser dito, o silêncio impera, qualquer palavra que seja soletrada, provoca o maior vazio possível.
Há alturas em que um simples olhar é mais reconfortante que mil palavras. E quanto um simples olhar pode ser perturbador. O olhar pode ser penetrante, perfurador, o olhar cala qualquer palavra, qualquer ordem, qualquer pensamento.
Admiro as pessoas calmas, serenas, que contêm as palavras, falam o indispensável, parece que medem e não dizem uma silaba a mais. Tenho a feliz ideia que elas estão de bem com a sua consciência, transmitem uma tranquilidade aos outros que me fascina de uma forma transcendente.
A agitação e o desassossego interior, fruto dos tempos conturbados que vivemos, transporta-nos para situações de intranquilidade e inquietação constante.
Hoje, vivo cada vez mais o momento, na hora certa, o dia-a-dia, o aqui e agora.
Escolho, sempre que me é permitido, a minha companhia, estar com quem eu quero, retirar o prazer de partilhar os instantes e as circunstâncias que me fazem sentir feliz.
20.02.15


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mestres

Mestres
A primeira casa foi na Rua da Torrinha, era uma casa pequena de um só piso com bananeiras à volta.
Depois o meu pai mudou-se para a Rua da Carne Azeda, era a casa da minha bisavó, mãe do meu pai, que ficou a viver connosco. Também era uma casa pequena, mas que o meu pai pode fazer obras à medida que ia amealhando algum dinheiro. A casa inicialmente tinha 2 quartos, cozinha e casa de banho, depois foi aumentando e subindo mais uma andar, hoje é uma casa grande, com um quintal que até já teve laranjeiras, limoeiros, galinhas e passarinhos e sempre muitas flores, vasos de flores e canteiros.
O meu pai sempre teve muito cuidado com a casa, sempre tentou preservá-la, mas para isso era necessário ter mestres de vez em quando.
E os mestres eram a dor cabeça da minha mãe, ora era pintar por fora, ora por dentro, outra vez eram os patassóis, depois o chão, que era daquela pedra de calhau, no quintal o meu pai ainda inventava arranjos na parte das flores, canteiros, etc, etc.
Tudo isto implicava com uma série de coisas que a minha mãe não gostava, gente estranha a invadir-lhe a casa e a deixar tudo numa imundície.
Foram tantos os mestres que por aquela casa passaram. Havia um que era um bonito homem, alto de cabelo preto, muito liso, educado, e envergonhado. Era um mestre especial, o mais limpo de todos, quando terminava o seu trabalho, varria tudo com muito cuidado, limpava o pó do cimento e retirava todas as impurezas. Era muito atencioso e ficava corado só de lhe dirigirem a palavra. Mais tarde e numa fase já muito mais próxima dos dias de hoje apareceram os últimos dois. O primeiro foi um grande amigo do meu pai, e por amizade com o meu pai, fez algumas obras, quando comprei a minha casa em 2004 e quando uma das minhas irmãs restaurou a casa. Era um mestre muito evoluído, com pinta de engenheiro ou de arquitecto, com uns lindos olhos azuis e cabelo branco. Foi uma pessoa crucial na restauração e renovação da casa que decidimos comprar. Às vezes não sei se o meu pai tinha mais orgulho nele ou na filha que tinha adquirido a casa, eram mesmo amigos.
A minha mãe aborrecia-se com tudo o que era obras, concertos, restauros, sujavam-lhe a casa, para ela não eram necessárias tantas pinturas, na sala, na corredora, nos quartos, na cozinha, na mesa, nos armários e nas bancas, e ainda nas portas, quando o meu pai se lembrava. O cheiro a tinta que a intoxicava, a caliça, o cimento, os trapos, as latas as trinchas que os mestres deixavam por lá esquecidas. Tudo isto lhe fazia confusão. Recordo os móveis estarem todos afastados da parede, cobertos com lençóis velhos e diários a cobrir o chão. Confesso que não era um quadro bonito de se ver, mas como dizia o meu pai, tinha de ser.
Como se não bastasse o meu pai assim ser, eu tinha uma irmã que também gostava de obras e de mudanças. Um dia, e porque era moda, forrou o nosso quarto com papel de parede, pintou as camas, guarda-fato, armários, cómoda, cadeira com tinta cor de casca de ovo, fez colchas e cortinas novas, tudo porque queria ficar com um quarto diferente, novo e moderno. Sei que houve uma discussão muito grande com o meu pai, mas depois ele acabou por aceitar.
Ainda hoje é um desatino quando ela se lembra de forrar as almofadas da sala com tecido diferente ou fazer umas colchas e umas cortinas novas para o quarto dos meus pais.
12.02.15


Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...