sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Observando

Observando
Andava eu a estudar e muito me distraia com o prédio da frente. O estudo não era assim tão concentrado e a motivação era mediana, a máxima era “não perder nenhum ano”, a partir daí ter um 10 ou um 18, naquela altura tanto me fazia. Passava algum tempo na janela e na varanda olhando a vida que supostamente as pessoas levavam nos prédios da frente. Deve haver alguma explicação do foro Freudiano para estes comportamentos.
Também quando vinha no autocarro, ia olhando para cada pessoa e imaginava como era, o que fazia, onde vivia, ou quando vinha sentada e olhava pela janela e via uma fila de carros imaginava ser o pai o condutor, a mãe na condição de passageira do lado, no banco traseiro, duas criancinhas e uma senhora mais velha que devia por certo ser a avó, ou uma tia solteira.
Há dias dei por mim a observar os clientes do supermercado, então vamos a isto. Um homem com ar de sedutor, às 19:30 junto á caixa do supermercado pousa o ser carrinho de mão e sai - uma garrafa de vinho tinto, uma embalagem congelada de lasanha, queijo, fiambre, tostas integrais, iogurtes e laranjas. Bem, pensei para comigo própria, aqui está um solteirão ou divorciado, que vem quase todos os dias às compras.
Raramente encontro famílias completas, pai, mãe e filhos, com a vida agitada que temos mais facilmente vai o progenitor ou a progenitora, alguém fica segurando a ponta do outro lado, seja com o trabalho, com os filhos, com a avó, com uma ida ao ginásio, ou com outra tarefa qualquer. Eu própria não sei há quanto tempo não vou ao supermercado acompanhada. Por regra vou sempre sozinha.
Gosto de ir ao cinema sozinha, ver aqueles melodramas, que me deixam com a lagrima ao canto do olho, escolho um sábado ou um domingo à tarde, porque se for num dia de semana à noite encontro sempre alguém que fica o olhar para mim e lá dentro deve questionar “o que faz esta sozinha à noite no cinema”.
Não gosto nada de conduzir, mas se me encontrarem a conduzir de vidros fechados é porque vou de certeza com a música em decibéis pouco apropriados. Sabe tão bem ouvir música alta. Música alta é para se ouvir só, quando se tem companhia já não é a mesma coisa.
Gosto dos meus momentos, de estar só, mas não gosto de estar ou pensar que um dia poderei estar só. Estar só por gosto, não por condição, faz toda a diferença. Uma boa companhia faz bem à alma. O homem é um animal de hábitos, sociável, de comportamentos moldáveis.
Pode ser preconceito meu, com certeza, mas sair à noite sozinha não sou capaz, fico com a sensação que tenho as pessoas a olharem para mim, “aí coitadinha, está só a rapariga”.
Não me choca ir às compras sozinha, ir à praia, almoçar uma vez ou outra, depende do espaço escolhido.
Viajar sozinha, não obrigada, é triste e como já não vou para nova na idade, a minha condição, não me permite imaginar que noutro canto do mundo, seja lá onde for, vou encontrar uma companhia mágica, uma alma caridosa que me dispense dois dedos de conversa, por isso viajar só, é impensável.
Existem coisas que ficam bem e completas a dois, há outras porém que dispensam uma multidão e outras ainda que se bastam a si próprias.
Há alturas em que nada precisa de ser dito, o silêncio impera, qualquer palavra que seja soletrada, provoca o maior vazio possível.
Há alturas em que um simples olhar é mais reconfortante que mil palavras. E quanto um simples olhar pode ser perturbador. O olhar pode ser penetrante, perfurador, o olhar cala qualquer palavra, qualquer ordem, qualquer pensamento.
Admiro as pessoas calmas, serenas, que contêm as palavras, falam o indispensável, parece que medem e não dizem uma silaba a mais. Tenho a feliz ideia que elas estão de bem com a sua consciência, transmitem uma tranquilidade aos outros que me fascina de uma forma transcendente.
A agitação e o desassossego interior, fruto dos tempos conturbados que vivemos, transporta-nos para situações de intranquilidade e inquietação constante.
Hoje, vivo cada vez mais o momento, na hora certa, o dia-a-dia, o aqui e agora.
Escolho, sempre que me é permitido, a minha companhia, estar com quem eu quero, retirar o prazer de partilhar os instantes e as circunstâncias que me fazem sentir feliz.
20.02.15


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