Lisboa
A ida para a faculdade foi tudo o que de melhor me podia ter
acontecido, foi o despertar para a vida, foi um outro mundo à minha espera.
Fui viver para um apartamento no Lumiar, tinha uma colega em
Medicina e partilhava o quarto com uma de Engenharia Química. O curioso da
situação é que não conhecia nenhuma das duas. Naquela altura nem se colocava a
questão “e se me desse mal com ela ou com elas”, era assim e pronto.
Assim dei início a uma data de experiências novas, desde
aprender a gerir uma mesada, a confeccionar sopa, a engomar, a acordar com
despertador, enfim a tomar conta de mim.
Coisas nunca vistas e experienciadas pela primeira vez era o
metro, os comboios, os autocarros de 2 andares, os eléctricos, os elevadores e o
rio Tejo, que ingenuamente confundi com o mar. Os grandes armazéns do Chiado, o Grandela, o Braz e Braz, cheio
de panelas penduradas nas grandes janelas viradas para o Rossio, os Telefones
dos Restauradores e a Estação de Comboios. Eram edifícios tão grandes e tão
imponentes, aquilo sim, era uma cidade.
Por mim já me sentia, como se estivesse numa outra cidade
europeia tipo, Paris ou Madrid.
Tudo era novidade, até o simples gesto de obliterar os
bilhetes no autocarro, na minha terra ainda existia o bilheteiro, cuja tarefa
era vender e cobrar os bilhetes aos passageiros.
Pela primeira vez provei alheira e não gostei, mais tarde
aprendi a gostar, e solha, salmão, pescada, lulas, rissóis, couve com salsichas
enroladas, coisas que até a data não passava pelo cardápio da casa dos meus
pais.
Em casa, a minha mãe não gostava de mariscos, portanto não
se comia peixe que tivesse esse sabor característico, alias, o peixe que se
consumia lá em casa era o atum, carapaus, bodião, pargo e espada.
Pela primeira vez fui comer a um restaurante chinês com o
meu primo, e fiquei fã do The Great
American Disaster, sempre que podia frequentava o do Marquês de Pombal.
Tudo era tão diferente do sítio que temporariamente tinha
deixado para trás, eu gostava daquela cidade aberta, das colinas, das grandes
avenidas, dos passeios largos, da luz, do céu azul e do frio do inverno, do
calor do verão, dos eléctricos, dos comboios e do castelo.
Tudo tinha uma dimensão demasiado grande para o que a minha
vista alcançava, as senhoras bem aprumadas a passear nas avenidas e a lanchar
nos cafés, os rissóis, os panados, o supermercado Modelo em Entrecampos, a
quantidade de marcas diferentes de iogurtes, Yoplait, Mimosa, Danone e o leite
Vigor.
Lembro-me de uns centros comerciais emblemáticos, as Amoreiras, o Imaviz e o Apolo 70, e
particularmente de uma loja que havia neste último “Sempre em festa” onde eu comprava, blocos cheirosos, canetas e
lápis com sabores a fruta.
Recordo-me das lojas de roupa na baixa, os Porfírios, a Casa Africana, a Madame
Campos (na Rua Braamcamp), onde eu adquiria o desodorizante com cheiro a
maçã ou a flor de laranjeira e a Loja das
Meias, que vendia as meias de seda de uma marca francesa, da qual agora não
me recordo o nome, eram caríssimas mas duravam muito mais do que os collants
normais. Os cinemas Londres, São Jorge e
Apolo 70, os snacks do Londres e
do Galeto e o chocolate quente da
pastelaria Suíça.
O café Conde Barão
junto da cantina universitária do Lumiar e o Trenó, também no Lumiar, pastelaria dos galões e dos bolinhos dos
sábados e dos domingos.
Conheci muitos recantos de Lisboa com a minha colega de
quarto, ela dizia que tinha conhecido a cidade andando de autocarro.
Com o meu primo, conheci o Bairro Alto, a Alfama, a Graça,
Sintra, Almoçageme, a casa da Ulgueira, e outras tantas viagens que foi fazendo
com ele por Portugal adentro, Alentejo, Algarve, Zona de Setúbal, Tróia, etc .
Mas também havia coisas que me desagradavam, não gostava das
manhãs de inverno na paragem do autocarro e do nevoeiro que não me permitia ver
ao longe o número do autocarro, das pessoas apinhadas até à porta, de viajar de
pé, dos primeiros domingos que passei sem a minha família. O domingo era um dia
que deprimia, não terminava nunca, estava tudo morto na cidade, até os
autocarros escasseavam e andavam vazios, a cantina fechava, era um verdadeiro
tédio. Quando não recebia o telefonema do meu primo para ir almoçar lá a casa, tinha de me confinar ao espaço de um
quarto minúsculo ou de uma cozinha. Sim, porque as regras da casa eram muito
explícitas, a sala não era para ser usada, só podíamos entrar excepcionalmente
para levar uma visita e do sexo feminino, rapazes ficavam à porta. Os rapazes
que tinham permissão de entrar no apartamento eram o meu primo, o meu irmão e o
primo e o irmão da minha colega de quarto.
Eu até entendo que sendo 3 raparigas houvesse a necessidade
de por alguma disciplina na coisa, mas sempre achei que era um exagero aquelas
regras, afinal éramos todas estudantes, com idades aproximadas, eu era a mais
nova com 18 anos mas as outras duas tinham só mais 2 ou 3 anos do que eu.
Mesmo assim, nunca deixei de sentir, de dizer e de escrever ainda
com alguma nostalgia que foram dos melhores anos da minha vida.
25.02.2015
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