quarta-feira, 14 de junho de 2017

Navegando até às Desertas.

Navegando até às Desertas.
Partimos por volta das 13 horas, apesar de termos combinado sair mais cedo. Um imprevisto fez-nos atrasar um pouco.  Viemos a fundear nas desertas às 15 da tarde.
Com vento fresco do Noroeste, de 18 nós, com rajadas e o mar encrespado com ondulação desencontrada, navegamos até à deserta com mar pela proa, o que foi de facto um pouco mais desconfortável.
O vento foi tão desagradável que só me vinha à memoria cenas dos filmes TItanic ou Message in a botlhe…
A situação acima descrita não foi para mim de todo muito agradável. Ainda “piquei” qualquer coisa à saída, mas não tive feedback, acabei por me render ao silencio e pedir a todos os santinhos que nos acompanhassem. Pois contrariando a minha natureza, sabia que as coisas não iam ser fáceis, deixei-me ir, naquela que que apenas para mim, iria ser uma viagem menos tranquila.
Não sei se as pessoas têm noção da trabalheira que é estar ao comando de um veleiro/barco, é um não parar, da ré à proa, caça, adriça, amaina, arriba, folga, o que nós leigos na matéria, aprendemos nesse dia de terminologia náutica.
Achamos o máximo cada termo que o nosso “comandante” de bordo usava, e para ajudarmos queríamos saber as nomenclaturas todas, queríamos estar em cima do acontecimento, o que para inexperientes na matéria não era fácil, mas lá nos safamos cada um na sua maior habilidade.
Gostei imenso da forma como todos se comprometeram, para que a viajem fosse uma cena em conjunto e não apenas da responsabilidade de uma única pessoa. O António assumia ao de leve o leme, ajudava na adriça das velas e sempre que possível recolhia-se a um canto para fumar o seu cigarrinho.
A meio do trajeto já me sentia enjoada, optei por não falar nada, nada tinha para dizer para além da minha agonia, do medo que me assolava, só de imaginar o tempo que ainda levaria para chegar, não a terra, mas a uma enseada onde tudo indicava que o mar estaria mais calmo.
Valeu mal chegamos termos dado de caras com um par de lobos marinhos, e depois juntaram-se ainda mais dois, no conjunto eram quatro à volta do barco.
Valeu também as fotos que disparamos desenfreadamente na perseguição aos animais.
No inicio da travessia tinha sido comentado que nas anteriores viagens feitas às Desertas nunca se havia presenciado aquelas espécies, portanto as nossas expectativas eram nulas. Foi engraçado e deu para descomprimir, fiquei apenas com pena de não ter ido ao banho, fiquei com receio, pois os vigilantes aconselham as pessoas o não nadarem.
No regresso para variar voltei a enjoar, desta vez ficando ainda mais indisposta.
Todos estavam solidários com a minha agonia, uma das minhas amigas que estava sentada mesmo ao meu lado sofria como se tivesse encarnando a minha pessoa, eu recostei-me num cantinho agarrada a um saco preto olhando o horizonte e vendo se a terra ficaria mais perto, de quando em vez sentia a mão dela levemente a afagar as minhas costas. Eu sabia que todos os outros estavam preocupados, mas não se atreviam a soletrar uma palavra. Mais nenhum de nós enjoou, ficou indisposto ou passou mal.
Ao chegarmos ao Caniçal, já não me lembro de quem foi a ideia, ainda quiseram petiscar qualquer coisa, não sendo “desmancha prazeres” acompanhei com uma água das pedras e dois carapauzinhos, não podia nem devia fazer a desfeita, mas aqui para nós, custou-me imenso.
Àquela hora já me apetecia ter recolhido bem em terra, bem no meu espaço, bem na minha casa, muito bem na minha cama.
Amigos, gostei muito da vossa companhia, foi um prazer estar convosco. Pedro és um querido, mas só volto a acompanhar-te numa viagem pela costa, assim uma coisa pertinho, tipo Baía de Abra, enseada de Machico, onde não perca nunca a imagem da terra por perto, se possível bem próximo do meu nariz.

14.06.17








sexta-feira, 9 de junho de 2017

De barco

De barco.
Não tenho ideia de quanto tempo levava o barco até à Ribeira Brava. Sei que, a viagem se fazia no Verão, enjoava qualquer coisa e tinha uma certa dificuldade a entrar e sair quando a embarcação acostava no caís e fazíamos o transbordo para terra. O barco tinha um toldo, para cobrir do sol ou da chuva que se fizesse sentir.
Ainda mareada íamos de autocarro até à Ribeira, e descíamos a pé até à Madalena do Mar. O autocarro era de bancos corridos, revestidos a napa castanha avermelhada e os vidros puxavam-se de baixo para cima. Havia o condutor e um “bilheteiro”, que circulava pelo autocarro sempre que entrava uma pessoa ou saía outra. Quase sempre dirigia-se à parte lateral do autocarro, ao porta bagagens, para ajudar a tirar uma sacola e uma data de compras fruto da viagem feita até à cidade. Tinha uma bolsa de couro castanho-escuro a tiracolo e na mão uma dose generosa de bilhetes de todos as cores que mais parecia um arco-íris. Fascinava-me tanta quantidade de cores e aqueles pedacinhos de papel muito fininhos. Dentro da sacola, sempre com um peso considerável, guardavam-se as notas de escudo e as moedas pretas.

A casa ficava situada numa zona nobre da vila, no Sítio do Passo na Madalena do Mar. Ainda hoje lá está, directamente virada para o mar, com uma porta verde de madeira, e por cima, orgulhosamente desenhado no cimento o seu ano de construção. Nessa casa viviam os progenitores de um casal amigo dos meus pais.
Eram pessoas com algum reconhecimento na freguesia, os filhos, tinham sido bem encaminhados na vida, havia um padre, uma professora e uma advogada. Da família da mulher do casal amigo dos meus pais, existiam freiras, uma estava em Lisboa e outra aqui no Convento de Santa Clara, havia uma irmã que vivia na Ribeira e uma outra que vivia na Lombada da Ponto de Sol e que curiosamente só tinha filhas, pelo menos umas três.
Mas não era nesta casa principal que nós ficávamos. Subíamos por uma entrada particular mesmo ao lado, virávamos à direita, continuávamos sempre em frente e curvávamos à esquerda. Ali ficava uma casa humilde, bem mais pequena do que a outra, rodeada de bananeiras, poios e regos. Gostava muito do terraço, com vista sobre o mar. Ali devorei o mais belo por do sol, sentava-me no chão de cimento e ficava a ver o sol a pôr-se, o céu a ficar cada vez mais vermelho, descaindo para o laranja, baixando suavemente na linha do horizonte e aquela matiz vermelho alaranjado ia subtilmente se misturando no azul do mar e no escuro do céu e de repente ficava tão longe, tão distante e os meus olhos deixavam de o ver e ele perdia-se para lá do horizonte. Só o tornaria a ver no dia seguinte. Era um momento mágico. Eu absorvia para não mais esquecer aqueles silêncios quentes. E pensava, para onde iria entregar luz e cor e a quem iria aquecer.
Às vezes na linha do horizonte apontava um navio, eu queria saber para onde seguia aquele barco, quem levava, o que faziam as pessoas que iam lá dentro, tantas perguntas, tantos quês, que ninguém me respondia, até porque eu também não me atrevia a perguntar.
Por ali ficava, nunca mais do que uma semana, ia sempre com uma irmã do meio. O homem da casa tinha emigrado para França e havia deixado em Portugal a mulher e 4 filhos, todos rapazes.
Apesar de serem rapazes não me intimidavam, eu sempre estive habituada a brincar com os rapazes, nasci, no meio de dois, tenho um irmão mais velho e um mais novo. No Funchal, a vizinhança era composta por rapazes, por isso as brincadeiras eram muito mais masculinas do que femininas. As bicicletas, a bola, os carrinhos de verga, as pistolas eram os meus brinquedos. Não me recordo de ter tido muitas bonecas, lembro-me apenas de uma mulher da Nazaré, oferecida pela minha madrinha, era uma boneca grande e com muita roupa, sete saias, e alguns colares a imitar ouro, aquilo fazia-me uma confusão. Ainda esteve em cima da minha cama uma serie de anos. Hoje em dia brinquedos, bonecas ou quaisquer resquícios de brincadeiras de infância não restam nenhuns.
Os rapazes que viviam na Madalena do Mar eram durante essa semana os meus únicos companheiros de brincadeiras, das idas à praia, dos passeios até o caís passando pelo bairro dos pescadores, das visitas à igreja e ao salão paroquial.
Atravessa a rua só de fato banho e toalha em cima do ombro, ora descalça ora de chinelas de meter o dedo amarelas, tipo havaianas.
O mais velho era muito apaparicado pela mãe e por uma tia, eu pessoalmente dava-me muito bem com um da minha idade, os outros dois eram mais pequenos, muito chorões e andavam sempre debaixo das saias da mãe. Foram todos para França, vivem lá há muitos anos e há muitos anos que também não os vejo.
Mais tarde, já todos em França soube que os pais se divorciaram, na verdade nunca se deram bem, assisti a muitas discussões, o marido era ciumento e autoritário, a mulher por seu lado não gozava de um bom feitio, como se costuma dizer, tinha pelo na venta.
Na Madalena também havia família da parte do meu pai, pelo menos duas primas, e soube há bem pouco tempo que a minha bisavó, uma senhora muito alta e de olhos azuis, filha única de uma família da Calheta, porque namorou e decidiu casar-se com um rapaz que não era da mesma classe social que a dela foi deserdada e acabou por ir viver para a Madalena.
Não sei se é pela experiência vivida mas hoje em dia ainda sinto um prazer muito grande em passar pela marginal da Madalena, olhar a casa, que entretanto foi vendida, mas encontra-se igual à que era, sentir o calor do sol de um fim de tarde e imaginar-me sentada naquele chão de cimento de um pequeno terraço à espera de mais um terminar de dia.
Curiosamente, há uns dias atrás e depois de uma caminhada, por momentos regressei à minha infância e observei um por do sol semelhante àquele em que assistia na Madalena do Mar, quando era uma miúda entre os 8 e os 9 anos.
Foi no Calhau das Achadas da Cruz, que por breves instantes vivi alguns momentos de uma boa nostalgia contemplando o fim de um dia.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

junho

Junho.
Junho é o sexto mês do ano que marca mesmo o meio do ano, o mês onde se comemora logo de início o dia da criança, mês de Portugal, dos Santos Populares, mês onde o Sol atinge o seu ponto mais a norte na sua trajetória pelo céu, por isso os dias são grandes e cheios de luz.
Em casa dos meus pais o hábito era comemorar o São João. Fazíamos uma ceia, atum salpresado, semilhas com casca, feijão e maçarocas. Enfeitava-se o quintal com balões ás cores, às vezes fazíamos uma fogueira e saltávamos e fazíamos sortes. Tinha uma vizinha que sabia fazer essas coisas, com um prato, água e uns papelinhos com o nome dos nossos apaixonados, que ponhamos de véspera, no outro dia o que aparecia aberto seria o próximo namorado. Não me lembro de nenhum dos meus nomes, se calhar nunca se abriu nenhum papel, é o mais certo.
Quando fui para Lisboa estudar era o Santo Antonio, de 12 para 13 de junho, ia para os bairros, ia quase sempre com o meu primo, houve um ano que não pude ir porque tinha um exame e ele bateu-me à porta de casa com uma sardinha no meio de uma carcaça e um manjerico.
Junho também era também o mês do final das aulas, avizinhavam-se as férias grandes, com dias intermináveis. Aqueles dias parvos, que não acabavam nunca, onde nada se passava. Não havia nada para fazer, era um dia em cima do outro, a ouvir o barulho das moscas, a passar os dias a devorar livros e a esperar que as minhas irmãs tivessem paciência para me levar à praia.
Eram três meses difíceis de passarem, às vezes ia para Santa Cruz (para casa das tias), outras para a Madalena do Mar, mas normalmente ficava por casa. Como não tinha irmãos da minha idade ou aproximados, o mais novo como era rapaz ia brincar para casa de uns amigos dele que viviam numa quinta abaixo da minha casa. Foi ali na companhia de mais dois rapazes, (para além do meu irmão) que aprendi a andar de bicicleta, a fazer fisgas e com isto ganhei muita descontração em lidar e conviver sem tabus com todos os rapazes.
Eu era tímida, mas não ficava rogada, nem corava em frente dos miúdos.
Hoje o mês de junho aproxima-me das férias, agora em vez de infindáveis, rápidas que se passam com uma ligeireza absurda, aproxima-me dos filhos que estão aí a chegar nas férias da faculdade, aproxima-me das idas à praia, dos jantares na varanda, da comida mais saudável e ligeira, dos convívios com os amigos, das roupas leves, claras e frescas.
Junho já aqui está e com ele vêm as noites cálidas e aquela brisa de fim de tarde que nos transporta para viagens e sonhos nem sempre atingíveis.

01/06/2017




Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...