À Sexta-feira…
À sexta-feira quando não havia jantares, aniversários, e
saídas com amigos, metia-me no autocarro do Caniço, em frente à Empresa de
Eletricidade e fugia para casa da minha irmã.
Por lá ficava todo o fim de semana, regressava só no domingo
à noite, contra a vontade da minha mãe, que nunca entendeu porque é que eu não
queria ficar em casa com os pais.
Se fosse verão, o meu cunhado ia deixar-nos à praia, ao
Rocamar ou ao Galo, eu levava os meus sobrinhos. Ele tinha um carro desportivo,
um Peugeot 205, descapotável, azul claro, com estofos em ganga, fazia um
sucesso naquela altura. Eu só obrigava os meus sobrinhos a chamarem-me de
“tia”, não fosse alguém imaginar que seria a mãe das 3 crianças.
No Inverno ficava mais por casa, como a minha irmã não sabia
e não gostava de cozinhar e eu depois da minha passagem por Lisboa, até fiquei
com jeitinho para a cozinha, entretinham-me a inventar uns pratos.
Às vezes íamos comer fora, o meu cunhado era um bom garfo,
variávamos pelos restaurantes ali da zona, a Central, a Lareira, o Boieiro, a
Cervejaria Alemã, o Galo, o Rocamar, a Quinta Explêndida e mais tarde o Giuseppe
Verdi, as suas lasanhas e massas italianas.
Connosco
também vinha uma tia do meu cunhado, viúva, era uma mulher excêntrica no vestir
e na sua maneira de estar, de cabelo pintado, com batom forte, unhas com verniz
cor-de-rosa, vestia-se sempre com roupas de cores muito garridas, grande, com
uma voz rouca, mas pouco beneficiada pela beleza física. Fumava, acompanhava a
refeição com vinho era uma figura curiosamente interessante. Gostava muito do
sobrinho, mas entrava sempre em defesa da minha irmã.
A casa do Caniço
era muito acolhedora, grande, assim num estilo francês com uma sacada no
primeiro andar e umas águas furtadas, um grande jardim com relva na frente da
casa e uma inesgotável vista mar.
Ali naquela
casa, passei bons momentos, ali fui muito feliz, ali ajudei a cuidar dos meus
sobrinhos, ouvi o meu cunhado, ouvi a minha irmã, ouvia todos os outros que por
lá passavam, sobretudo ao domingo. Ao domingo aquela casa virava “poiso”, após
o almoço a campainha não parava de tocar. Vinham todos lá bater, os homens para
descansar e dormitar, as mulheres para conversar.
No final do
dia era sempre preparado um lanche, chá, bolo caseiro, sandes de fiambre,
queijo e presunto.
Às vezes
penso se a minha presença constante incomodou a estabilidade e harmonia daquela
família. A casa era um refúgio ou digamos uma espécie de retiro e de porto de
abrigo para todos.
Ali naquela
casa ficava a pensar na vida, a curar paixonetas platónicas, e a chorar amores
impróprios.
E foi ali
naquela casa que a minha irmã ofereceu um cocktail de boas vindas no dia do meu
casamento e foram eles os meus padrinhos.
Não foi
fácil o regresso de Lisboa, não queria ter vindo. Gostava muito daquela cidade
grande, das gentes que não conhecia e por quem passava anonimamente, dos cafés
da Avenida de Roma e da Baixa, dos cinemas, do comboio, das viagens que fazia
ao sábado à tarde até Sintra, dos passeios e dos almoços de domingo com o meu
primo, pela Praia das Maçãs, a Praia da Adraga, Almoçageme, as Azenhas do Mar, a
Ericeira, Mafra e a Malveira da Serra. Nestes dias apenas sentia a falta da
família.
A readaptação
a casa dos meus pais não foi um processo fácil, eu tinha gostado demasiado da
independência conseguida, enquanto vivi em Lisboa.
Estar em
casa a receber ordens do pai, a dar conhecimento de onde venho para onde vou,
com que vou e com quem ando, saturava-me. Bom mesmo era safar-me ao fim de
semana para casa da minha irmã. A minha mãe ficava zangadíssima comigo, ela não
compreendia porque é que eu não ficava no Funchal, em casa, com a família, para
no sábado de manhã acordar cedo e fazer a lida da casa e no domingo ir à missa
com os pais. Este filme aterroriza-me, eu não queria nada aquele estilo de
vida.
Até
habituar-me novamente a esta terra, deu-me que fazer, mas se um dia tivesse que
sair para qualquer lado, ia, desde que fosse um sítio onde se visse o mar. E saudade
ia sentir, sempre da família.
Hoje, tudo
mudou, aquela família tal como era já não existe, à sexta-feira já não corro
para apanhar o autocarro, já não tenho tantos jantares e saídas com aqueles amigos,
mas enfim, tenho outras coisas que me deixam igualmente feliz.
20/03/2015
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