sexta-feira, 20 de março de 2015

À Sexta-feira…

À Sexta-feira…
À sexta-feira quando não havia jantares, aniversários, e saídas com amigos, metia-me no autocarro do Caniço, em frente à Empresa de Eletricidade e fugia para casa da minha irmã.
Por lá ficava todo o fim de semana, regressava só no domingo à noite, contra a vontade da minha mãe, que nunca entendeu porque é que eu não queria ficar em casa com os pais.
Se fosse verão, o meu cunhado ia deixar-nos à praia, ao Rocamar ou ao Galo, eu levava os meus sobrinhos. Ele tinha um carro desportivo, um Peugeot 205, descapotável, azul claro, com estofos em ganga, fazia um sucesso naquela altura. Eu só obrigava os meus sobrinhos a chamarem-me de “tia”, não fosse alguém imaginar que seria a mãe das 3 crianças.
No Inverno ficava mais por casa, como a minha irmã não sabia e não gostava de cozinhar e eu depois da minha passagem por Lisboa, até fiquei com jeitinho para a cozinha, entretinham-me a inventar uns pratos.
Às vezes íamos comer fora, o meu cunhado era um bom garfo, variávamos pelos restaurantes ali da zona, a Central, a Lareira, o Boieiro, a Cervejaria Alemã, o Galo, o Rocamar, a Quinta Explêndida e mais tarde o Giuseppe Verdi, as suas lasanhas e massas italianas.
Connosco também vinha uma tia do meu cunhado, viúva, era uma mulher excêntrica no vestir e na sua maneira de estar, de cabelo pintado, com batom forte, unhas com verniz cor-de-rosa, vestia-se sempre com roupas de cores muito garridas, grande, com uma voz rouca, mas pouco beneficiada pela beleza física. Fumava, acompanhava a refeição com vinho era uma figura curiosamente interessante. Gostava muito do sobrinho, mas entrava sempre em defesa da minha irmã.
A casa do Caniço era muito acolhedora, grande, assim num estilo francês com uma sacada no primeiro andar e umas águas furtadas, um grande jardim com relva na frente da casa e uma inesgotável vista mar.
Ali naquela casa, passei bons momentos, ali fui muito feliz, ali ajudei a cuidar dos meus sobrinhos, ouvi o meu cunhado, ouvi a minha irmã, ouvia todos os outros que por lá passavam, sobretudo ao domingo. Ao domingo aquela casa virava “poiso”, após o almoço a campainha não parava de tocar. Vinham todos lá bater, os homens para descansar e dormitar, as mulheres para conversar.
No final do dia era sempre preparado um lanche, chá, bolo caseiro, sandes de fiambre, queijo e presunto.
Às vezes penso se a minha presença constante incomodou a estabilidade e harmonia daquela família. A casa era um refúgio ou digamos uma espécie de retiro e de porto de abrigo para todos.
Ali naquela casa ficava a pensar na vida, a curar paixonetas platónicas, e a chorar amores impróprios.
E foi ali naquela casa que a minha irmã ofereceu um cocktail de boas vindas no dia do meu casamento e foram eles os meus padrinhos.
Não foi fácil o regresso de Lisboa, não queria ter vindo. Gostava muito daquela cidade grande, das gentes que não conhecia e por quem passava anonimamente, dos cafés da Avenida de Roma e da Baixa, dos cinemas, do comboio, das viagens que fazia ao sábado à tarde até Sintra, dos passeios e dos almoços de domingo com o meu primo, pela Praia das Maçãs, a Praia da Adraga, Almoçageme, as Azenhas do Mar, a Ericeira, Mafra e a Malveira da Serra. Nestes dias apenas sentia a falta da família.
A readaptação a casa dos meus pais não foi um processo fácil, eu tinha gostado demasiado da independência conseguida, enquanto vivi em Lisboa.
Estar em casa a receber ordens do pai, a dar conhecimento de onde venho para onde vou, com que vou e com quem ando, saturava-me. Bom mesmo era safar-me ao fim de semana para casa da minha irmã. A minha mãe ficava zangadíssima comigo, ela não compreendia porque é que eu não ficava no Funchal, em casa, com a família, para no sábado de manhã acordar cedo e fazer a lida da casa e no domingo ir à missa com os pais. Este filme aterroriza-me, eu não queria nada aquele estilo de vida.
Até habituar-me novamente a esta terra, deu-me que fazer, mas se um dia tivesse que sair para qualquer lado, ia, desde que fosse um sítio onde se visse o mar. E saudade ia sentir, sempre da família.
Hoje, tudo mudou, aquela família tal como era já não existe, à sexta-feira já não corro para apanhar o autocarro, já não tenho tantos jantares e saídas com aqueles amigos, mas enfim, tenho outras coisas que me deixam igualmente feliz.

20/03/2015

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