Limpezas e cheiros.
No fim de semana passado assim meio de improviso fiz um
passeio e vim ter à Rota da Cal, lá pelo Concelho de São Vicente. Confesso que
foi interessante e para além dum momento cultural foi também de um aprazível
convívio com os meus amigos das caminhadas.
De repente dei por mim a lembrar-me das pinturas da casa
pelo Natal, caiar a cozinha, a sala e os quartos de dormir, aquela azáfama que
a minha mãe não gostava e a mim também não me agradava de todo.
A nossa casa virava do avesso, cheirava a fresco, a água com
sabão, a cera, a limpo e a lavado.
As cortinas eram retiradas para serem lavadas, os armários
afastados da parede, para limpar as teias de aranha e o pó acumulado, os
quadros saíam das paredes, os armários e as gavetas despejados e novamente
forrados, a papel pardo e de plástico, os da cozinha, os outros a papel branco
e papel vegetal.
Habitualmente era uma das minhas irmãs (braço direito da
minha mãe) que se encarregava destas lides dentro de casa e que me obrigava a
andar atrás dela como sua ajudante. Ela amarrava um lenço na cabeça para
proteger o cabelo do pó e lá ia eu contrariada atrás.
Para além de se retirar toda a loiça dos armários e lavar,
era preciso arrumar as gavetas dos bordados e dos paninhos de tabuleiro, limpar
o armário dos aperitivos e o das bebidas. A minha mãe tinha a mania de guardar
tudo e nestas arrumações fazíamos descobertas interessantes, coisas foras de
prazo, estragadas e a cheirar a mofo, desde amendoins, broas, bolachas e outros
biscoitos. A minha mãe tinha receio que chegasse uma visita lá a casa e não houvesse
nada para oferecer.
Havia duas gavetas que eu gostava de arrumar, uma era onde a
minha mãe guardava todas as cartas, postais, e contactos dos amigos espalhados
pelos quatro cantos do mundo, e a outra a das fotografias. Nestas coisas eu
gostava de meter o nariz, de ler e de ver.
Passada esta fase, vinha a parte da cera, a minha mãe usava
aquela cera de lata, Búfalo, se não
me atraiçoa a memória e com cheiro a alfazema. Dar a cera não era tarefa nossa,
devia de ser do meu irmão mais velho, a casa ficava de um dia para o outro com
jornais espalhados pelo chão para se manter a cera e não escorregarmos, no dia
seguinte era certo alguém puxar o lustro de joelhos escada acima escada abaixo,
com um pano fofo e macio.
Ainda faltava o óleo de cedro espalhado pelas portas de
madeira, que tinha a sua técnica, não se podia fazer círculos, o vidro
martelado da porta da sala, que era lavado com um esfregão e água ensaboada,
arear o número 51 da porta de entrada, mais o puxador e a campainha com aquele
líquido da lata vermelha e verde e com um coração dourado e ainda limpar as
pratas com Duraglit.
Estes cheiros, esta lufa-lufa, pelas alturas do Natal, da
Páscoa, ou quando recebíamos alguma visita importante em casa, como na Semana Santa,
quando o Padre da freguesia por lá passava, há já muito tempo que deixei de
sentir.
É certo que eu não gostava destas tarefas ingratas, mas
ninguém acredita o quanto me sabia, quando regressava de Lisboa naqueles dias
antes do Natal, abrir a porta de casa ver o chão a brilhar, sentir o cheiro da
cera de alfazema, olhar os vasos de flores, os naperons por cima das mesas e
dos moveis, o cheiro a lavado da roupa de cama, do sabão clarim, os lençóis
imaculadamente brancos e engomados sem a mais pequena prega, beber o café com
leite de manhã ao acordar e à noite comer a canjinha que a minha mãe fazia.
Eu sei que não se vive de memórias nem de coisas passadas há
sempre quem diga que “o passado não interessa o presente é o que importa”, mas também
sei que para se contar uma história, para se perceber o presente, é necessário
irmos ao passado, abrir armários e gavetas e desencaixotar peça por peça.
27/03/2015
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