Dois mundos,
Eram
aproximadamente 20h30m de um primeiro sábado do mês de Junho, vinha a passar
nas traseiras do Mercado dos Lavradores e deparo-me com uma fila de gente, maioritariamente
homens, de cabelos grisalhos, barba por fazer, roupa desconjuntada, rostos
amargurados e olhares turvos. Em fila aguardavam estoicamente a refeição quente
que lhes seria servida pelos voluntários da CASA, um gesto de solidariedade
social apoiado pelos Hotéis Porto Bay e Dorisol.
Mais à frente,
na porta principal do mercado, à entrada outra fila, desta feita para uma Ceia
dos Santos Populares (angariação de fundos para o projecto “Ferias Divertidas”).
Dois mundos, dois
eventos, causas idênticas (solidariedade social), mas na sua essência bem
diferentes uma da outra.
Gosto daquele acontecimento,
descontraído, de arraial, comida típica da época (atum salpresado, semilhas com
casca, batata doce, feijão e maçarocas), da cor, da boa disposição e do ar
despretensioso das pessoas.
Acabei por
encontrar um vizinho amigo, irmão de uma amiga da minha infância. Veio
cumprimentar-me, e felicitou-me pelos textos que tenho andado a escrevinhar,
disse que os tem lido e gosta imenso. Sei que passou por uma grande perda,
recentemente, mas achei que não era oportuno referenciar o assunto e nada
disse. Afinal o ambiente era de festa e descontracção.
Lembrei-me da
mãe dele, minha vizinha, uma senhora que teimosamente fez durante muitos anos
uma resistência à vida, acamada durante algum tempo, foi adiando a sua partida,
para surpresa, até da própria família. Uma força da natureza, matriarca, mãe de
11 filhos, exigente, e lutadora.
No dia do meu
casamento, bateu-me à porta para me dar parabéns e oferecer-me uns versos feitos
por si e um raminho de cravos. Foi um gesto simbólico que nunca esqueci.
Hoje, a casa da
senhora encontra-se à venda e inexplicavelmente no quintal existe ainda um
roseiral. Curiosamente estou a falar de uma casa semiabandonada onde não reside
ninguém à uma data de anos. A paixão pelas flores, rosas, cravos, azáleas,
orquídeas e outros vasos que ela disponha pelas escadas acima era notória.
O jantar esteve
animado, com uma banda de música, um grupo de música tradicional, uma fadista e
dois adolescentes, que apesar de muito novos prometem um bom trajecto pelo meio
musical.
Na saída,
esperava-me uma noite cálida e uma cidade deserta, desci até ao parque de
estacionamento do Almirante Reis e deparei-me com mais uma cena de um qualquer submundo, um jovem, toxicodependente a ser
corrido fora do parque pelo responsável do mesmo.
Cambaleando de
um lado a outro, exibindo uma verborreia gritante, uma mão segurava as calças
roçadas que lhe vinham já entre pernas e a outra mão agarrava uma garrafa de um
etílico sem rótulo e lá se foi ajeitando para um canto de uma parede cuspida com
uma tinta descolorida e bolorenta, ainda olhando de soslaio para trás e insultando o rapaz do parque.
Confortavelmente
entrei no carro e vim para casa pensando que a vida nem sempre é justa, que o
sol brilha e aquece mais uns que outros e que muitos permanecem por um longo
tempo na penumbra e na bruma, não existindo nenhuma luz para que possam
vislumbrar, mesmo que seja ao fundo de um túnel.
09-06-15
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