Levadas,
regadios, águas e poços.
Andava eu
ensimesmada nos santos populares e a recordar os tempos de estudante e as
escapadelas a Alfama e à Mouraria com o meu primo e umas quantas amigas da
época quando dei por mim a fazer a Levada dos Brasileiros terminando com um
almoço de semilhas, atum salpresado, feijão e massarocas. É óbvio que não
substitui a sardinha assada, a salada de pimentos e os manjericos, mas na
verdade, aqui nesta terra, nunca foi hábito comemorar o Santo António, sempre
foi mais tradicional celebrar o São João, pelo menos era assim na minha
família.
Andamos pela
zona alta do Porto Moniz (Levada do Brasileiro), Lagoa do Chão do Bardo, Pico
Roseira, Portas da Vila e Monte Pico. Curiosamente apanhamos um dia de céu
azul, e sol, límpido, como muito raramente acontece ali pelos lados da Santa.
Estas caminhadas
para além de se terem tornado num espaço de “desintoxicação citadina” passaram
a contemplar outras áreas, tais como aulas práticas de botânica, cultura local,
usos e costumes, momentos de bem-estar e prazer e de conversas de
enriquecimento intelectual.
Eu que não
distinguia orégãos de carqueja, já vou conhecendo algumas plantas aromáticas,
flores e algumas árvores que compõem a nossa Laurissilva.
Conhecem-se
pessoas novas, agradáveis, simpáticas, gente descontraída e desempoeirada.
A propósito
neste sábado entabulei uma conversa interessante com um rapaz, que aos 11 anos
foi estudar para o seminário e frequentou até o 4 ano de Teologia, depois
considerou ser mais importante saltar o muro e ficar a viver a vida deste lado
de fora e por aqui ficou até agora. Falamos muito ao de leve da religião, da fé,
da igreja, dos mitos da igreja católica, e em especial de algumas posições
tomadas pelos órgãos máximos da igreja aqui na região, etc, etc.
Alarguei os meus
parcos conhecimentos sobre o sistema de regadio, os tanques de rega, a divisão
da água e o giro.
A constituição
geológica e a topografia da Ilha não favorecem a constituição de reservas
superficiais de água. Não existem muitas lagoas naturais e as águas da chuva
ecoam rapidamente para o mar.
Desde sempre a
gestão da água, o decorrer do giro, gerou conflitos e disputas entre os
agricultores, regantes e levadeiros. O desvio intencional e o roubo de água
constitui um ofensa e mexe demasiado com os valores e a integridade de quem trabalha
a terra e dela vive, e dela faz o seu rendimento, e dela alimenta a sua
família. Por isso colocava-se um pau ou uma vara pequena entre as duas margens
da levada, justamente para balizar a divisão da água e para determinar com
precisão a quantidade de água que cabia a cada um nas horas de giro. Quando o
nível da água subia além da marcação estabelecida pela vara era sinal de que
alguém estava roubando água. O nível da água teria de se manter sempre pela baliza/vara.
Então a regra era, “enquanto uns regavam
outros vigiavam”.
Ali pela aquela
zona da Santa do Porto Moniz (e áreas circundantes, Pombais, Cabo Salão, Pico Alto,
etc.) existem cerca de 48 poços com 2, 3 ou mais donos, cada um com uma
corrente de água diferente. O balaruco
é o sítio por onde sai a água do poço e os tornadoiros
é o encontro de levadas (onde
partem e se dividem as águas).
A posse de poços
dava então aos agricultores uma capacidade de prestígio, criava rivalidade e
competição entre todos os que dependiam da terra e precisavam da água como um
bem de mercado e com um preço alto.
Passei também por
uma plantação de amendoins, é uma planta herbácea, de caule pequeno, com flores
pequenas e amarelas. O fruto é uma vagem.
No regresso demos
um salto até à Casa Velha, uma casa
pequena, toda em pedra, mas com uma confortável área de terreno na parte
lateral e traseira. A casa precisa de obras e restauro, aguarda por alguma
folga financeira do seu proprietário ou por alguma boa ação de um qualquer
mecenas em prol das tradições e reconstruções rurais. Tem um forno peculiar, a
porta de entrada é quadrada em vez da habitual que é oval, o chão ainda é de
terra batida e tem um pouco de tudo o que é tradicional madeirense, uma
camilha, candeeiros a petróleo, recipiente em madeira para fazer pão de casa,
etc, etc.
Já mesmo sem
estar à espera ainda visitamos o “Tribunal
Bar”, um tasco junto à Câmara Municipal, onde se acaba por decidir o que
não foi consensual na reunião que decorreu no edifício do lado.
Ainda fiquei a
saber que em dias como aquele em que o mar está tão calmo, pescam-se cracas no
Ilhéu Mole (frente à Vila do Porto Moniz), eu que até então imaginava que
cracas, só nos mares dos Açores.
18-06-15
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