quinta-feira, 18 de junho de 2015

Levadas, regadios, águas e poços.

Levadas, regadios, águas e poços.
Andava eu ensimesmada nos santos populares e a recordar os tempos de estudante e as escapadelas a Alfama e à Mouraria com o meu primo e umas quantas amigas da época quando dei por mim a fazer a Levada dos Brasileiros terminando com um almoço de semilhas, atum salpresado, feijão e massarocas. É óbvio que não substitui a sardinha assada, a salada de pimentos e os manjericos, mas na verdade, aqui nesta terra, nunca foi hábito comemorar o Santo António, sempre foi mais tradicional celebrar o São João, pelo menos era assim na minha família.
Andamos pela zona alta do Porto Moniz (Levada do Brasileiro), Lagoa do Chão do Bardo, Pico Roseira, Portas da Vila e Monte Pico. Curiosamente apanhamos um dia de céu azul, e sol, límpido, como muito raramente acontece ali pelos lados da Santa.
Estas caminhadas para além de se terem tornado num espaço de “desintoxicação citadina” passaram a contemplar outras áreas, tais como aulas práticas de botânica, cultura local, usos e costumes, momentos de bem-estar e prazer e de conversas de enriquecimento intelectual.
Eu que não distinguia orégãos de carqueja, já vou conhecendo algumas plantas aromáticas, flores e algumas árvores que compõem a nossa Laurissilva.
Conhecem-se pessoas novas, agradáveis, simpáticas, gente descontraída e desempoeirada.
A propósito neste sábado entabulei uma conversa interessante com um rapaz, que aos 11 anos foi estudar para o seminário e frequentou até o 4 ano de Teologia, depois considerou ser mais importante saltar o muro e ficar a viver a vida deste lado de fora e por aqui ficou até agora. Falamos muito ao de leve da religião, da fé, da igreja, dos mitos da igreja católica, e em especial de algumas posições tomadas pelos órgãos máximos da igreja aqui na região, etc, etc.
Alarguei os meus parcos conhecimentos sobre o sistema de regadio, os tanques de rega, a divisão da água e o giro.
A constituição geológica e a topografia da Ilha não favorecem a constituição de reservas superficiais de água. Não existem muitas lagoas naturais e as águas da chuva ecoam rapidamente para o mar.
Desde sempre a gestão da água, o decorrer do giro, gerou conflitos e disputas entre os agricultores, regantes e levadeiros. O desvio intencional e o roubo de água constitui um ofensa e mexe demasiado com os valores e a integridade de quem trabalha a terra e dela vive, e dela faz o seu rendimento, e dela alimenta a sua família. Por isso colocava-se um pau ou uma vara pequena entre as duas margens da levada, justamente para balizar a divisão da água e para determinar com precisão a quantidade de água que cabia a cada um nas horas de giro. Quando o nível da água subia além da marcação estabelecida pela vara era sinal de que alguém estava roubando água. O nível da água teria de se manter sempre pela baliza/vara. Então a regra era, “enquanto uns regavam outros vigiavam”.
Ali pela aquela zona da Santa do Porto Moniz (e áreas circundantes, Pombais, Cabo Salão, Pico Alto, etc.) existem cerca de 48 poços com 2, 3 ou mais donos, cada um com uma corrente de água diferente. O balaruco é o sítio por onde sai a água do poço e os tornadoiros é o encontro de levadas (onde partem e se dividem as águas).
A posse de poços dava então aos agricultores uma capacidade de prestígio, criava rivalidade e competição entre todos os que dependiam da terra e precisavam da água como um bem de mercado e com um preço alto.
Passei também por uma plantação de amendoins, é uma planta herbácea, de caule pequeno, com flores pequenas e amarelas. O fruto é uma vagem.
No regresso demos um salto até à Casa Velha, uma casa pequena, toda em pedra, mas com uma confortável área de terreno na parte lateral e traseira. A casa precisa de obras e restauro, aguarda por alguma folga financeira do seu proprietário ou por alguma boa ação de um qualquer mecenas em prol das tradições e reconstruções rurais. Tem um forno peculiar, a porta de entrada é quadrada em vez da habitual que é oval, o chão ainda é de terra batida e tem um pouco de tudo o que é tradicional madeirense, uma camilha, candeeiros a petróleo, recipiente em madeira para fazer pão de casa, etc, etc.
Já mesmo sem estar à espera ainda visitamos o “Tribunal Bar”, um tasco junto à Câmara Municipal, onde se acaba por decidir o que não foi consensual na reunião que decorreu no edifício do lado.
Ainda fiquei a saber que em dias como aquele em que o mar está tão calmo, pescam-se cracas no Ilhéu Mole (frente à Vila do Porto Moniz), eu que até então imaginava que cracas, só nos mares dos Açores.

18-06-15

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