quinta-feira, 30 de abril de 2015

O 1º de Maio,

O 1º de Maio,
O meu pai nunca foi pessoa de comemorar estas datas festivas, nem o 25 de Abril, nem o 1º de Maio, mas quando éramos pequenos tenho recordações de fazermos piqueniques com os compadres e amigos dos meus pais.
O motorista levava a carrinha da Manteigaria Zarco, mas como a serra nesse dia estava cheia de gente e a minha mãe não gostava de confusões íamos para uma quinta dos Rocha Machado ou para a Fabrica de Manteiga da Fajã da Ovelha.
O primeiro de Maio vem das lutas sindicais iniciadas em Chicago por volta de 1886, cujo objectivo era reivindicar a redução da jornada de trabalho para as 8 horas.
Em Portugal este dia só veio a ser livremente comemorado depois de Abril de 1974, passando a ser considerado como um feriado. O dia mundial do trabalhador é comemorado com manifestações, comícios, festas de carácter reivindicativo. Na Madeira é um dia onde a população costuma organizar piqueniques, excursões, fazem-se uns colares especiais com umas flores amarelas, designados como “os colares de maio”.
Neste dia, e apenas quando éramos crianças, na serra reuníamos com os nossos amigos, jogávamos à bola, à pilhagem e às escondidas. Levávamos a comida já pronta, um farnel bem composto, atum cozido ou de escabeche, batatas com casca, feijão cozido com casca, frango assado, carne assada, rissóis, croquetes, bolo de laranja, pão de casa, vinho e laranjada. O meu pai não se esquecia de levar um rádio para ouvir o relato da bola.
Estendia-se uma grande toalha no chão, sempre debaixo de uma árvore com uma boa sombra, distribuía-se a comida e íamos comendo calmamente. A seguir ao almoço os homens e as senhoras dormiam sempre uma sesta.
Enquanto as minhas sobrinhas ainda (os) foram pequenas repetíamos estes passeios, já depois de crescidas veio a perder-se a tradição e nunca mais voltamos a fazer os piqueniques do 1º de Maio.
Agora a data é comemorada com um dia de ausência nas nossas funções e tarefas laborais e se a temperatura já permitir aproveitamos para fazer um dia de praia, ou deleitar-nos com outros prazeres da vida.
A geração dos meus filhos não chegou a assistir nem a participar nestas festas populares, hoje eles vivem muito os arraiais/festas religiosas e as americanices do Halloween.


30-04-15

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Revolução e proibições de casa,

Revolução e proibições de casa,
Lá em casa não se falava muito em política, o meu pai tinha as suas orientações bem definidas, e não permitia dar muita vazão a espaços de tertúlia sobre o estado do país ou do regime em que se vivia.
Sei apenas que tive um avô, curiosamente do lado paterno, que era um individuo extremamente honesto e defensor dos direitos humanos.
Sei que chegava a nossa casa, escutava bem baixinho (porque era proibido) notícias que alguns portugueses exilados no estrangeiro, transmitiam em programas de rádio em onda curta, com o fim de sensibilizar os ouvintes para combater a ditadura. Sintonizava as estações de rádio para as emissões a partir de Moscovo e de Argel.
Era um homem culto e interessado pelo mundo, julgo que, com uma atitude perante a vida mais além do que a rotina de cozinheiro em casa de uma família inglesa lhe poderia permitir. Lamentavelmente não cheguei a privar com ele, morreu precocemente de cancro no pulmão.
O meu pai ia acompanhando as notícias pela TV, pela comunicação e por uns tantos amigos, que viviam em Lisboa e de vez em quando regressavam à região. A preocupação dele era porque tinha, na altura, uma filha a estudar em Lisboa.
Para ele o ambiente de revolução, rebeldia, não lhe transmitia a segurança que ele pretendia. Naqueles dias de Abril, proibiu a minha irmã de ir para a faculdade, “nada de andar pelas ruas”, “nada de participar em manifestações, nem de opinar contra o regime”. Ia sabendo novidades também através de um sobrinho dele, mais velho que a minha irmã, já alguns anos instalado na capital. A norma era, “controla-me essa rapariga”.
E no dia da Revolução, só me lembro do meu pai ter-me enviado para Santa Cruz para passar o fim de semana em casa das tias. O 25 de Abril foi um dia marcante para mim, tinha onze anos, tinha entrado na pré-adolescência e queria assistir a tudo pela televisão.
As tropas, a revolução, o povo na rua, os cravos, os tanques na avenida da liberdade, o Quartel do Carmo, as imagens eram eloquentes, e as musicas, “Grândola Vila Morena”, “E depois do Adeus”, Vejam bem “, “Eles comem tudo”.
Passei a ouvir meio clandestinamente, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Pedro Barroso, e a ler poemas de Ary dos Santos, Adriano Correia de Oliveira e António Gedeão. Todos estes cantores, poetas e escritores de intervenção causava-me um fascínio indescritível, talvez por ser o proibido, talvez por o meu pai não permitir ouvir este tipo de música em casa, sei lá, ainda hoje não fico indiferente a nenhuma destas canções.
Lamento não ter apanhado a Revolução numa fase mais crescida, pois com 11 anos, ainda andava muito concentrada em mim, a saber se ia crescer mais, se o cabelo ia ficar louro, se teria roupa nova para levar no dia seguinte à escola, ou mais quanto tempo teria de esperar para ter um namorado e sair à noite, aprender a dançar, ir para a praia e ficar morena com sardas a salpicar pela cara, ter tempo para ver as séries da TV e andar de bicicleta.
Mais tarde e ainda nas proibições da casa, e do país, o meu irmão apareceu com discos que se fartaram de tocar no nosso gira discos, o “Je taime moi non plus”, o Emanuelle, o álbum do Jesus Cristo Superstar e o Bolero de Ravel (que o meu pai detestava). O meu irmão como era mais velho e já tinha os seus amigos, fechava a porta da sala e às escuras fazia lá a sua sessão de discoteca, criava cenários, e claro, proibia-me de lá entrar.
Era nessas alturas que eu sentia vontade de ser mais crescida, os amigos dele eram todos giros, mas eu não passava de uma miúda, irrequieta e ainda por cima metediça.
Não passava da porta, mas também não saía do degrau das escadas, mesmo ao lado.
Nada podia ver mas ouvia tudo.

24-04-15

terça-feira, 14 de abril de 2015

Descendo e subindo a rua,

Descendo e subindo a rua,
Desci e subi a rua a pé durante uma série de anos. A rua ficava entre a Rua da Torrinha (rua que tinha casas grandes e algumas quintas) e a Rua do Til, (rua muito grande e com bastante movimento de viaturas). Eu vivia na rua da Carne Azeda, feia, estreita, escura, velha, mal cheirosa e pouco iluminada. Era uma rua de casas velhas, antigas, hoje mantém-se quase todas, algumas remodeladas, outras deram origem a prédios de apartamentos.
As casas eram de gente de trabalho, pessoas humildes, muitas de aluguer. Casas bonitas e grandes nem chegavam a uma mão cheia, pertencentes a famílias com algum poder económico. Logo no início havia uma que atravessava toda a rua até o Torreão, outra com um grande terreno mesmo junto ao Engenho do Winton, a seguir a casa dos meus amigos de  infância onde brincava todos os dias, tão grande que chegava à rua do Til, acima mais umas duas com raiz do chão, primeiro andar e quintal à volta.
A rua não me enchia de orgulho, muito pelo contrário tinha um certo receio de a subir e descer sozinha, sobretudo naqueles dias pequenos e escuros de inverno. Passavam poucas pessoas, muitos velhos, pedintes, e uns homens esquisitos e estranhos que às vezes se escondiam por detrás dos carros. A iluminação pública até há poucos anos era com postes de madeira e candeeiros que iluminavam muito pouco. Tudo isto não me trazia confiança nenhuma, mas subir o lado oposto, o da Rua do Til, o trajecto era mais longo.
Em baixo mesmo no início da minha rua, existia uma fábrica, mais tarde oficina, era um prédio muito grande, alto e de nada valia à estética, ao lado o ribeiro, que acompanhava o engenho do Winton. Era interessante ver a labuta dos homens com os carros apinhados de cana-de-açúcar e o fumo a sair das chaminés. Eu não me lembro, mas as minhas irmãs recordam-se do incêndio no engenho e dizem que o quintal da nossa casa ficou cheio de cinzas e o nosso pai mandou-nos sair para casa de um vizinho mais acima, talvez para ficarmos mais protegidas.
Naquela rua vivia um senhor que tinha um carro grande antigo, tipo táxi, circulava na cidade para transportar turistas, vivia numa casa, igual a mais 4 ou 5, pareciam casas de bairro. A esposa dele e uma cunhada (irmã da mulher) passavam o tempo à janela e quando eu vinha da escola, falavam sempre comigo, perguntavam como estava a mamã e o papá, como iam os estudos, aquela conversa de circunstância.
Havia também um senhor José, de nome, que era carpinteiro, tinha uma loja, onde fazia os seus biscates, mais para cima havia uma mercearia, hoje transformada em bar/tasca. Em criança muitas vezes cheguei a ir à mercearia, comprar coisas de ultima hora, sal, açúcar, farinha, ovos, massa ou arroz.
Sempre foi uma rua com alguma dificuldade para estacionar os carros, hoje a rua tem um sentido só, descendente.
Naquela rua e nas artérias circundantes, Rua do Til e D. João, tínhamos os nossos vizinhos amigos, viviam todos por ali. Eu não tinha muitos, mas o meu irmão tinha um grupo do pior. Fartavam-se de bater à campainha assediando-o para brincadeiras que os comprometiam. Cada um pior que o outro, hoje, ainda considerados “peças de museu inconfundíveis”, irrequietos, rebeldes adolescentes, tiranos e inconsequentes, por vezes nas atitudes que tomavam. Eu não tinha medo deles, enfrentava-os todos, quando batiam á porta, dizia logo que o meu irmão estava a dormir, mas eles faziam-se entender por códigos, assobios, toques e buzinas de motas, etc. Eu dizia que os amigos do meu irmão eram desaconselháveis e que só o levavam para maus caminhos ou melhor, desencaminhavam-no.
Havia também um rapaz que que não largava a campainha da nossa porta, para fazer queixa ao meu pai do meu irmão e dos amigos dele. A bem dizer o rapaz tinha um índice cognitivo muito abaixo do normal e uns trejeitos efeminados, obviamente era motivo de chacota para o grupo. Até o meu pai se ria da situação, claro, sem dar a entender, um dia ouvi-o dizer “o rapaz também se poe a jeito”. Suponho que a figura ainda hoje existe, caricato, vagueava pelas ruas da cidade, implicando com todas as pessoas e exibindo uma verborreia escandalosa, sem mais nem quê. Era cliente assíduo das urgências do Hospital, de todas as igrejas da cidade e dos autocarros que subiam a Rua do Til.
Na travessa do Anselmo havia uma serie de casas em banda, todas iguais, só divergiam na cor das paredes, das portas e das janelas.
Durante muitos anos à frente da minha casa, existiu uma fazenda grande e havia uma entrada do nosso quintal que dava directamente para lá. Quando éramos pequenos íamos brincar, colher anonas e espiar o levadeiro.
Por aquela rua passaram uma série de figuras, que hoje deixaram de circular, o leiteiro, o amola tesouras e o padeiro.
Hoje a rua continua quase exactamente igual, não fosse os técnicos camarários terem asfaltado o caminho que antes era empedrado.

17-04-15

terça-feira, 7 de abril de 2015

Em três dias.

Em três dias.
Foi uma viagem de apenas três dias mas muito bem aproveitados. Duas turistas percorrendo a cidade de Lisboa, revivendo locais outrora visitados, bebendo experiências diferentes, centrando o olhar nas gentes, nos rostos abandonados pela cidade polvilhada de espanhóis, parece-me de repente ter voltado à dinastia dos Filipes, olé J.
Lisboa está cada vez mais uma cidade cosmopolita, muita gente a andar a pé, percursos de tuk tuk pelos bairros históricos, Castelo, Alfama e Mouraria.
Fizemos o trajecto ascendente desde os Restauradores /Baixa Pombalina/ Castelo de São Jorge. Pela primeira vez a minha experiência de “caminheira quinzenal” valeu-me chegar rapidamente lá acima. Entramos na Igreja de Santo António e na Sé de Lisboa onde decorriam as cerimónias da semana santa. Fomos espiolhando os antiquários e as lojas de velharias, passamos pelo miradouro de Santa Luzia. A minha irmã comprou uma pintura a um homem de rua, típica vista do castelo, eléctrico e lampião discretamente colocado à esquerda.
No castelo, descansamos, admiramos a vista sobre a cidade e tiramos fotografias. A descida foi mais suave, mesmo pelas ruas estreitas e sinuosas viemos ter direitinhas à Praça da Figueira. Subimos a Rua do Carmo, entramos no Chiado, Largo de Camões, Trindade e Largo da Carmo. Almoçamos na rua, na Adega do Duque, ligeiro e rápido. Descemos novamente ao Chiado, mas antes visitamos a Igreja de São Roque (junto à Misericórdia de Lisboa), cumprimentamos Fernando Pessoa, demos uma olhadela pela Brasileira e entramos na Basílica dos Mártires, vi pela primeira vez uma imagem do Santo Expedito (com inúmeras placas de agradecimentos e de graças concedidas).
Para visualizar alguma novidade, passamos pela Fnac, encontramos mais um ou dois artistas de rua e descemos até ao Rossio.
Só agora me apercebi que iniciei o texto de trás para a frente, agora fica assim, este foi o nosso último dia.
Chegamos ainda era dia, quase, quase a anoitecer. O hotel prometia pouco, a minha irmã franziu a cara, estava mesmo a ver que ela se vinha embora, valeu que tinha uma localização estratégica e os quartos eram extremamente asseados.
De manha acordamos cedo, tínhamos compromissos, fomos pontuais, fomos prontamente atendidas e pelas 12 horas estávamos despachadas. Ela não quis almoçar no Darwin depois da conversa apetecia-lhe um bom bife, por isso fomos à Portugália no Espelho de Agua (Belém). Ela comeu tudo o que tinha direito, camarão, casquinha, polvo, ainda pediu um bife com ovo a cavalo e terminou com um leite-creme. Esperava-nos uma fila bem dimensionada e um sol escaldante à entrada do Mosteiro dos Jerónimos, acabadinho de ser limpo. A vontade de caminhar foi esmorecendo, ainda viemos até o Palácio de Belém, mas resolvemos regressar ao hotel e descansar um pouco.
À noite fomos jantar com a Teresa à Tasca do Urso, ela tinha ficado em Lisboa propositadamente para estar connosco, no dia seguinte ia para o Alentejo.
Subimos ao Bairro Alto no elevador da Glória, passamos pelo miradouro de São Pedro de Alcântara e fomos para o Príncipe Real, aí, até chegar ao restaurante e mesmo de mapa na mão, perdi-me uma serie de vezes pelas ruas do bairro, que são um autêntico labirinto.
Recebidas carinhosamente pelo dono do restaurante e amigo da Teresa, jantamos no jardim, comemos bochecha de porco com batatinhas fritas e alheira com queijo de cabra e geleia de tomate, um jarro de vinho e Rémy Martin para rematar, a minha irmã só jantou uma sopa, mas comeu farófias como sobremesa. O ambiente era acolhedor, tinha aquecimento, mantas para aquecer as pernas e uma boa conversa, fomos ficando até sentir que o cansaço já andava a tomar conta de nós.
No dia seguinte já tínhamos combinado ir a Fátima, o Expresso levou-nos a uma viagem confortável, almoçamos no restaurante habitual, visitamos calmamente o santuário e até assistimos a uma missa. Desta vez resolvi deixar uma vela grande por intenção de todos os que precisam, os meus, família, e algumas pessoas mais próximas. Temos de ser práticos e o que conta é a intenção.
De regresso a Lisboa à noite fomos ao Coliseu ouvir a Joan Baez, activista politica, fez parte de vários movimentos a favor dos direitos humanos, cantora folk norte americana, marcou os anos 60 e apareceu em palco igual a si própria, de guitarra ao ombro, botas, calças de ganga, camisa branca e uma echarpe rosa. O seu público fiel troteou Diamonds & Rust, Forever Young, Gracias à la Vida. Foi um concerto muito light, vibrei apenas quando ela cantou o Grândola Vila Morena e as pessoas juntaram os pés a imitar os soldados a marchar. A plateia marcadamente na faixa etária 60/70 anos, um leve cheirinho a naftalina, muitos cabelos grisalhos, uma geração de protesto, agora bem mais serena.
Na 5ª feira regressamos ao Funchal para em família terminarmos a semana santa, tradição religiosa portuguesa que celebra a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
07.04.15


Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...