A casa do meio,
Era a casa maior e mais moderna,
era de um piso só, com janelas beijes e paredes cor-de-rosa. Havia um quintal
de cimento à volta de toda a casa e um varandim a separar para o jardim e as
árvores de fruta.
Aos sábados aquela casa renascia,
abriam-se os tapassóis, estendiam-se as colchas e os cobertores nas janelas
para arejar, os tapetes vinham à rua, varria-se todo o quintal, limpava-se
areava-se tudo e mais alguma coisa.
Eu não gostava nada daquelas
lides de todos os sábados, apetecia-me fugir e regressar à noite. Ao sábado não
podíamos ir à praia, porque era dia de limpezas, e eu nunca compreendi porque
ponham as crianças a arrumar a casa.
Por vezes ainda tínhamos de ir ajudar
numa limpeza a casa de um tio solteiro ou auxiliar uma prima que vivia só com
um irmão numa casa grande.
Só gostava que me mandassem à
venda para comprar alguma falta de última hora, a lixívia, o sabão azul, a cera
para o chão ou uma garrafa de laranjada para o almoço.
Também gostava de quando o dia
finalmente terminava, e lavávamos o quintal de balde e de mangueira, quando
sentíamos de facto a casa fresca, os quartos limpos, a cama com roupa a cheirar
a lavado e primorosamente engomada pela minha prima.
Gostava imenso e divertia-me a
lavar o cabelo. O cabelo era lavado na rua, no quintal à frente da cozinha,
numa banheira. Eu e a minha prima seguíamos um ritual para aclarar as pontas de
cabelo, deitar cascas de cebola na água e lavar com aquela mistela. Sempre
acreditamos naqueles feitos e julgamos durante muitos anos ter uma cor de
cabelo mais clara que a das outras primas.
Uma delas usava um champô de
camomila que dizia manter a cor de louro, mas o cabelo dela era bem mais claro
que o nosso, ela já trabalhava, bem podia dar-se a esses luxos, nós usávamos
sabão azul, diziam que o cabelo ficava brilhante.
Nesta casa jantávamos sempre
muito tarde e nunca nos deitávamos no mesmo dia em que acordávamos. Ainda hoje,
é assim, as primas são sempre as últimas a se deitarem, alias a tia é sempre a
última.
Já de noite, recordo-me de finalmente
agradecer por aquele dia ter passado tão rápido, desejando que o Domingo
chegasse logo para ir à missa das nove ou das onze com a tia e as primas. A
igreja enchia de gente, as primas, sempre atrasadas ficavam num cantinho atrás
do lado esquerdo, à saída íamos ao café do “Matos” comer um gelado e às vezes
ainda passávamos pela praça do peixe
Faltava ainda um pequeno senão,
quando não tínhamos boleia do tio, na furgoneta Peugeot ou no BMW do primo,
subíamos o caminho do Janeiro a pé, era dose, acreditem!
O almoço era sempre um banquete, com
direito a sobremesa, pudim ou bolo. À tarde íamos ao Santo, às vezes à Portela
beber uma ponha, ou o primo levava-nos ao Hotel Holiday In ou à Matur para
beber um café e passear.
No final do dia e já em casa,
aparecia sempre gente no terreiro, emigrantes vindos da Venezuela e do Curaçau,
amigos do tio, família do Funchal e da Recta do Santo da Serra, e vizinhos. Vinham
dar dois dedos de conversa, bebericar um copo de vinho e saborear um pratinho
de azeitonas, outro de tremoços e um dentinho de queijo.
Apareciam mulheres, a prima da
casa de baixo, uma outra prima muito alta de cabelos compridos e as vizinhas
solteiras e ainda duas irmãs muito faladoras, uma delas mais evoluída na vida,
trabalhava nas limpezas no Aeroporto, já tinha feito algumas viagens. Contava
como o mundo era diferente no Canadá, que o frio não se sentia, era tudo
aquecido e as pessoas apesar de trabalharem muito, viviam muito melhor do que
em Santa Cruz, donde tinham saído há alguns anos atrás.
Falavam da vizinhança que tinha
emigrado para a Venezuela e para o Curaçau, falavam da vida que eles por lá
tinham, dos namoros, dos casamentos, dos filhos nascidos em terras estranhas,
às vezes levavam fotografias e cartas e pediam às minhas primas para as lerem e
darem uma resposta breve.
Eu gostava de ouvir as conversas,
e de fazer perguntas, gostava do licor de caramelo e do licor de tangerina que
bebia e devorava até não haver mais liquido.
10.10.14
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