sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Meio dia

Meio dia.
Era eu uma adolescente e recordo o sinal do meio-dia, emitido todos os sábados, pelos bombeiros, cuja sede era ali na Rua 05 de Outubro junto à Câmara Municipal seguido de uns tantos foguetes.
Nunca gostei daquele som, despertava-me e desassossegava-me. Primeiro porque me lembrava as sirenes de ataques aéreos em tempo de guerra que eu via nos filmes sobre o holocausto e o período nazi, depois porque a minha mãe irrompia escada acima para tentar levantar-me da cama, “vamos Luisinha, meio-dia já lá se foi”, era sábado, dia das limpezas e das arrumações.
A minha mãe andava inquieta, sempre a se lamentar que não tinha ninguém que a ajudasse nas lides domésticas.
O meu pai quando vinha almoçar, aos sábados, chegava mais tarde, só pelas 14 horas, mas normalmente nesse dia ele ia almoçar com os amigos. Iam com frequência à Madalena do Mar, ao Estreito (á espetada) ao Caniço, à Camacha ou ao Santo da Serra. Às vezes chegava a trazer à minha mãe 2 ou 3 pedaços de espetada em bolo do caco, um pão de casa, ou outras coisas que ia comprando pelo caminho. Ela nunca mostrava muita satisfação, não sei mesmo se gostava ou não. Ao fim da tarde ele chegava a casa, cansado e adormecia no sofá.
As tardes de sábado eram passadas nos escuteiros, tínhamos reunião, e por lá ficava até o final do dia.
O Domingo ainda era o pior dia, também acordava tarde, preguiçava muito ao fim de semana, não havia nada para fazer, o meu pai de manhã entretinha-se no quintal, nas flores nos canários e na adega. Era dia dos amigos mais próximos e de alguns vizinhos o visitarem, elogiarem e compararem os sapatinhos, as orquídeas as catelayas e os antúrios, o resto que existia no quintal eram flores (na opinião do meu pai, flores menores) e plantas da minha mãe que não eram chamadas para aquelas apreciações. De vez em quando ele vendia ou trocava um canário, fazia criação de uma espécie diferente, cozia ovos, cenouras, sentava-se num degrau das escadas com uma garrafa e uma rolha para ensinar os bichos a cantarem. Eu não apreciava nada daquilo, nunca gostei de animais com penas, galinhas, e todo o tipo de aves, parece irreal, mas eu tinha medo até dos bisalhos.
Antes do almoço, que era sempre tarde, sempre depois das 14 horas, ia servir dentinhos de queijo, azeitonas e salsichas fritas ao quintal, juntamente com um whiskie, ou na adega para prova de vinhos das pipas que ele ia abrindo e sugando o vinho com uma mangueirinha incolor.
Eu ia ficando ali ao pé dos homens, ouvindo as conversas e provando também o vinho, eu sabia que o meu pai gostava, que ele se orgulhava da minha presença e antes preferia estar ali do que na cozinha a por a mesa.
Ao domingo aparecia o primo do meu pai de Santa Cruz, trazia bananas e outros produtos frescos da terra. Também aparecia um outro amigo dos meus pais, da Madalena do Mar, vinha por bananas e anonas. Este gostava mais de conversar com a minha mãe. Servíamos um café e uma sandes ou uma fatia de bolo.
A seguir ao almoço, que era sempre canja e galinha ou caldo de carne e carne assada, o meu pai recolhia-se numa cadeira do quintal, por baixo da vinha, e ali dormitava um bom par de horas.
À tarde, bem ao cair do dia faziam-me o favor de me obrigar a acompanhá-los à missa, e ao café Apolo. O meu pai orgulhosamente metia o braço na minha mãe e descia a Rua de João Tavira com aquela senhora elegante, bonita e sempre aprumada. Ela por seu lado gostava de se sentar (a única vez à semana) numa mesinha do café e apreciar, olhar para as senhoras, espreitar as modas, os vestidos, os tecidos e os modelos. Mais tarde quando já ninguém se lembrava ela ia à modista e pedia para fazer um vestido com o modelo que tinha visto numa senhora e rabiscado num papelinho para ajudar a explicar o feitio do vestido. Antes já havia percorrido, num qualquer dia de semana, de manhã, bem cedinho, as boas lojas de fazenda para comprar o tecido ideal, na cor que ela achava que a favorecia, tendia sempre para os tons pasteis, rosas pálidos, coral, beije, verde agua ou azul turquesa.
E a menina bem comportada, com ar de enjoadinha lá os acompanhava, desejando sair daquele filme que não acabava nunca.
Numa altura da minha vida os fins de semana eram assim entediosos, nada se passava, o melhor mesmo era ver televisão, ler ou dormir. 
Eram dias em que eu não trabalhava o cérebro e ficava sempre de enxaqueca, ou porque dormia horas a mais, ou porque as rotinas se alteravam, eram sempre dias aborrecidos que não terminavam nunca.


23.01.15



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