quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Aniversários e flores.

Aniversários e flores.
Não tenho ideia de a minha mãe comemorar os nossos aniversários, mas as minhas irmãs mais velhas contradizem-me e afirmam que a mãe até enfeitava nesse dia uma cadeira com flores, e esse era o nosso lugar para se sentar á mesa, sinceramente não me lembro.
Lembro-me apenas de já bem crescidinha ter tido uma festa de anos em casa, a minha mãe deixou convidar umas primas e umas vizinhas amigas que por lá residiam na altura.
Na minha família nunca houve o hábito de quando alguém fazia anos, ir a casa a seguir ao jantar tomar café e comer uma fatia de bolo, nem tão pouco é comum fazerem-se festas de anos.
Mesmo actualmente só os aniversários da minha mãe e do meu pai é que são comemorados, passamos todos lá por casa, cantamos os parabéns e apagam-se as velas.
Engraçado, que eu conheço famílias em que os membros no dia-a-dia se mantém distantes uns dos outros, mas invariavelmente no dia do aniversário, frequentam a casa para presentear o aniversariante, são hábitos.
Se calhar é por isso que eu quando faço anos passo o dia a dizer “hoje faço anos, hoje faço anos”, e adoro que me deem os parabéns, no entanto não gosto particularmente de festas de anos. Devo ter uma necessidade interior de me afirmar, isto vem de trás, são as minhas reminiscências a falar, por certo.
A minha mãe não era de festas, nem de muitos movimentos, não gostava de ter gente em casa. O espaço dela era muito protegido, não falava muito, não tinha muitas amigas, de vez em quando falava um pouco ao telefone com uma ou com outra, demorava-se muito ao telefone se estava a falar com as irmãs para Santa Cruz, apenas isso.
Não gostava do Carnaval, também não nos vestia para irmos ao cortejo, embora gostasse de ir ver a festa da flor e passar pelo ateneu, nunca torcia o braço por o meu pai ter as flores dele expostas e até ganhar vários prémios. Na minha casa havia uma “luta e uma separação de poderes” à conta das flores. Era assim: existiam as flores do meu pai, elegantes, raras e sumptuosas, que eram as catelayas, os antúrios, os sapatinhos e as orquídeas, depois existiam as que nem o nome a gente sabia, umas tantas arbóreas, fetos, avencas, novelos, crotons, rabinhos de porco, rosas, etc, essas eram as flores miseráveis da minha mãe, que ela dizia que o meu pai se esquecia de as regar quando estava a tratar do jardim.
Depois ainda havia a terra especial que ele gastava nos vasos todos dele e para os dela ficavam os restos de outras terras, sem fertilizantes, sem produtos naturais como casca de ovo e borras de café.
E ainda havia a protecção contra o sol que estragava as plantas, queimava as folhas, ele de vez em quando ia mudando os vasos de lugar para desespero dela quando os descobria, faziam com isso uma briga feia. Ela ficava danada e apelidava-o de egoísta por não respeitar os gostos dela.
E de vez em quando batiam à porta e invadiam o quintal, coisa que a minha mãe não suportava, homens e mulheres, pessoas conhecidas do meu pai, que vinham buscar sapatinhos, antúrios e orquídeas para vender. A minha mãe não achava piada a esta coisa de vender flores, as flores eram para colorir o jardim e ornamentar uma jarra na sala ou de quando em vez para oferecer a alguém muito especial. Ela resignava-se com este assunto, até porque as flores que se vendiam eram as do meu pai.
Durante muitos anos por causa destas flores nunca foi permitido termos qualquer canídeo em casa, era eu pequena e lembro-me de ter havido uma cadelinha de nome “Niquita”, mas assim como veio tão cedo desapareceu. Deu cabo de umas tantas plantas, esgravatou o jardim e os canteiros e depressa passou a ser uma “persona non grata”.
Hoje têm um cão, quase uma necessidade imposta, para guarda da casa, embora faça companhia ao meu pai e não sendo dos mais inteligentes sempre vai revelando uma vez por outra a sua sensibilidade.
A casa vai sobrevivendo, embora só a parte de baixo vá tendo o seu uso habitual, pois as escadas não permitem a quem por natureza e proveta idade já tem uma mobilidade reduzida.
Mantenho bem consciente que a casa existirá e manter-se-á apenas até eles estarem aqui e fazerem parte do nosso dia-a-dia. A partir do momento em que deixarem existir, deixará de haver os convívios nos fins de semana, os almoços, as conversas de jardim e o encontro entre os irmãos.
Uns vão sentir mais que outros, uns são mais nostálgicos que outros, uns têm laços mais comuns e estreitos que outros e uns reagirão de uma forma apegada tentando recordar os dias os momentos e as historias vividas naquela que foi sempre a nossa casa, a casa dos meus pais.


28.01.15

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