quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Férias e coisas assim….

Férias e coisas assim….
Ainda era Agosto e o mês levava uma semana e uns dias mais para terminar. Chegamos à ilha num sábado, num belo dia de sol.
Quando para ali vou, gosto de cortar com o resto, com o que deixei, com o que ficou para trás. As férias são para mim um virar de página, quero estar noutro registo, rompo com as rotinas que tinha em trabalho e no meu quotidiano. Crio outras rotinas, que serão as daqueles dias que em nada são semelhantes ao período de trabalho. É o meu tempo de lazer, do dolce fare niente, da troca de horários, da mudança da indumentária e do calçado, dos cabelos ao vento, despenteados, do gloss nos lábios e nada mais…
Nesse sábado, à noite, fomos jantar a casa de uma das minhas sobrinhas. Tudo seria perfeito, não fosse o peixe ter pouco sal. Não me lembraria de vir a comer em Porto Santo, salmonetes grelhados e não só, também apareceram pargos, bodiões e charuteiro. Acompanhava uma fabulosa salada de tomate do Porto Santo (aquele cultivado nos terrenos arenosos), salpicada de orégãos secos, outra de vários tipos de alfaces e rúcula e umas batatas cozidas com casca e salpicadas em azeite. Regamos com sangria de frutos vermelhos e vinho branco e terminamos com uns suculentos quadrados de melancia.
Antes do repasto e como é apanágio da minha sobrinha, começou a chegar à mesa entradinhas deliciosas, beberas pretas, queijo da Ilha de São Jorge, patê e salsichas de ervas frescas grelhadas.
A noite prolongava-se quente, aconchegante, os comensais muito heterogéneos, uns conhecidos naquele momento, mas nem por isso inibiu o desenrolar das conversas à volta das mesas. Outros, amigos comuns, com mais ou menos proximidade, proporcionaram um ambiente descontraído, leve e despretensioso.
Nos dias que se seguiram o ritmo foi sempre calmo, de manhã fiz caminhadas, à tarde praia, à noite passeios pela vila, idas ao café e “assaltos” às lambecas. Levei dois livros que fui lendo intervaladamente.
Lá em casa, as tarefas distribuíram-se sem qualquer imposição, creio eu, cada uma de nós assumiu aquilo em que está mais confortável, eu andava pelos tachos e panelas, a minha irmã nas limpezas, de vassoura na mão, expurgava todo o grão de areia que via pela frente.
Ela era a primeira a acordar, fazia um café bem forte. Quando me levantava já havia pão fresco e fruta comprada no dia. A meio da semana chegou uma outra irmã (a matriarca da família), que automaticamente ocupou o meu lugar na cozinha. Fiquei mais liberta para os meus devaneios de pensamento livre, leituras, músicas e passeatas.
A casa ficou mais cheia, o único homem ali existente, foi sendo excessivamente mimado, ora nas ementas preferidas, ora nos cafés a frequentar, nas horas de ir à praia ou até na escolha da mesma para passar o fim de tarde.
Com algum esforço ainda fiz um churrasco em casa para amigos e família, contei com a gentileza de um amigo do marido da minha sobrinha, porque efetivamente o António ficou sempre na retaguarda, mesmo sendo no dia de folga/descanso. Se existem coisas que tenho cada vez mais certeza é de que o meu marido nunca vai liderar uma cozinha e organizar um churrasco. Tenho tido uma luta inglória, já lá vão 23 anos de muita persistência.
Foi um sucesso e começou a sair muito bem a sangria de frutos vermelhos. A entremeada, as febras e as costeletas foram chegando à mesa, acompanhavam as batatas cozidas com casca, uma salada verde e outra de tomates do Porto Santo com lascas de cebola e orégãos.
À noite observávamos a lua, talvez para sentir mais energia e sintonizar forças positivas. Numa dessas observações, discutimos a fase que decorria, eu sabia que em forma de D a lua estava a crescer (quarto-crescente) e que em forma de C a lua estava a diminuir (quarto minguante). A lua crescia para Lua Cheia, mas o meu marido e a minha irmã entendiam ao contrário, ainda ripostei vivamente, depois deixei-me ficar e passados dois dias não havia como negar os factos, o céu apresentava uma Lua Cheia, bem iluminada, o brilho e o luar da noite, acabaram por silenciar as vozes discordantes.
Houve uma noite em que ficamos à conversa, as três irmãs foram recordando vivências da infância, pormenores que uma delas se lembrava num espaço mais próximo, entretidas gargalhamos, rimos e esboçamos sorrisos até bem tarde.
Ainda numa outra noite e numa deslocação rotineira à vila assistimos a um Festival Internacional de Folclore, apanhamos um grupo da Galiza, com gaita-de-fole, instrumento popular, que eu julgava ser mais típico dos irlandeses e escoceses, mas que no fundo também tem origens em Espanha (grupo ibérico, franco, bretão). Foi um espetáculo animado, com miúdas jovens e muito bonitas, os trajes eram riquíssimos. Deixou-me bastante surpreendida. Afinal ainda existem coisas que nos surpreendem, mesmo sendo numa “terra do nada”….

16-09-15

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Era um Fiat 600 Branco,

Era um Fiat 600 Branco,
Estas noites grandes e quentes de Verão são excelentes para recordar o que já lá vai. Neste fim de semana e em casa de uns amigos falávamos das nossas saídas, dos bares e das discotecas que existiam.
Vim a lembrar-me das minhas “aventuras” com uma amiga que conduzia um Fiat 600 Branco. Pequeno, ligeirinho, arrumava-se em qualquer espaço. A coisa depois evoluiu para um Renault, um Fiesta, um Nissan Micra e por aí adiante ….
As miúdas à sexta-feira iam jantar em grupo ou sós, conforme calhava, mas o certo era passarmos invariavelmente pelo Salsa Latina.
Mal o bólide apontava na Imperatriz Dona Amélia, os nossos olhos não paravam para ver as matrículas e os carros já estacionados. “Já está”, “ainda não chegou”, “deve ter vindo de boleia”…. confesso que muitas das vezes ela perguntava-me “viste já o carro estacionado”, e eu, não fosse a rapariga inverter a marcha rumo à rua do Til, dizia convictamente “ está ali, já vi” , estaciona tu à frente, tens um lugar.
Mesmo antes de chegarmos ao Salsa, já ouvíamos a música, os Salsinhas tocavam pela noite dentro, as nossas músicas, os nossos hits, aquela que nos prendia o olhar e cortava a respiração, aquela que nos fazia borbulhinhas na barriga, que nos corava, que nos deixava os braços em pele de galinha.
Um dos músicos tinha uma relação de amizade de longa data com a minha amiga, amigos de liceu e de matinés dançantes em garagens, e a música quase que se tornava em “música pedida”, ele tocava “You are so beautiful” do Joe Cocker e lá íamos nós para junto do balcão de copo de Whisky na mão (copo fino e alto com muitas pedras de gelo), e cantarolávamos pela noite dentro.
Não precisávamos de mesa, sempre preferimos ficar de pé junto à banda ou na esplanada, encostadinhas a um parapeito de uma janela. Eu gostava muito de ouvi-los cantar Rolling In The Deep, Creedence C R (Have you ever seen the rain), Cat Stevens (Father and Son), James Taylor (you’ve got a friend), Eric Clapton, Elton Jonh e não me esqueço nunca como ele cantava e/ou imitava na perfeição a voz do Paulo de Carvalho.
Ficávamos para ali até às 2 da madrugada (hora em que o bar encerrava), não seguíamos para a discoteca, porque já nessa altura não eramos muito adeptas dos ambientes fechados.
Mas ninguém se esquece das velhinhas Vespas em cima da Ponte do Ribeiro Seco, do Barbarela e do Bar On The Rocks no final da Carvalho Araújo.
O Fiat 600 também ia para os jantares do grupo ou por vezes ficava estacionado no Largo do Colégio, que era o nosso ponto de encontro, escolhíamos restaurantes onde pudéssemos estar à vontade e fazer barulho, no Restaurante do Poiso, na Camacha, era a Televisão, o Regedor e o Café Relógio, no Caniçal íamos para o Bar Amarelo, no Porto Novo, era a Feijoada por debaixo da ponte e em Camara de Lobos, o restaurante da praia.
Quando íamos só as duas ou com mais amigas, optávamos por uma Pizzaria que existia na Avenida do Infante, que também tinha esplanada, chamava-se A Rampa e escolhíamos uma pizza de nome “Diana”, ou o Mama Mia no Restaurante Fora de Horas, no próprio Salsa Latina (que servia umas lulas divinais) ou um de grelhados na chapa que existia no terraço do Centromar e do qual não me recordo o nome.
Este Fiat ainda foi do tempo em que os portugueses recém - encartados ostentavam na traseira um dístico indicador, circular de cor amarela e com a inscrição do número “90”. Isto indicava ao condutor traseiro que conduzia um outro condutor com menos experiência. Para mim ficava mais confiante, o aviso já estava feito, convinha os carros não se colarem muito atrás e deixarem um espaço de segurança.
Eu ainda não tinha carta de condução mas sabia muito bem ditar as regras e as prioridades, para evitar os vermelhos e quando o sinal estava verde, era caminho a direito, mesmo que fosse uma subida, dizia ”prego ao fundo”, quando tínhamos forçosamente de parar porque o sinal estava vermelho e mudava para o verde, dizia, “para” “puxa o travão de mão e arranca”, e depois era aquela coisa “passa, vem mais a direito, para a frente, roda só a traseira, não dá, vai bater, pronto já está, para ….”
Aquele Fiat ainda nos levou a rallies, para o Poiso, Terreiro da Luta, Monte, e durante uma serie de anos transportou-me todos dias, na hora do almoço, quando vinha a casa da minha mãe.
À condutora do Fiat devo a minha pontualidade de hoje, nunca respeitei os horários, era sempre uma pessoa super atrasada, até um dia que me meteram na linha…
Devo à condutora do Fiat muitos anos de uma boa conversa, de um bom ombro amigo, de boas gargalhadas, de alegrias, mas também de algumas tristezas, angustias e de lágrimas nos piores momentos.
Ficam e morrem connosco histórias, confidências, partilhas de momentos mais angustiantes, onde a vida parecia que tinha andado para trás, ilusões e sonhos sem data marcada, encontros onde tudo tinha uma dimensão maior do que devia de ser, porque tudo era vivido com uma intensidade acrescida. Ah! Ingénuas que fomos….


19.08.15

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Carros, Rali VM e tolerância de ponto,

Carros, Rali VM e tolerância de ponto,
A propósito do grande evento que aí vem, o Rali Vinho Madeira de 2015, esta semana andou uma série de gente num frenesim a querer saber se haveria tolerância de ponto na sexta-feira dia 31 de Julho.
Desde já digo, escusam de comentar e de criticar a minha posição, e peço desculpa a quem muito aficionado é a estas coisas de bólides e corridas, mas considero insensato atribuir uma tolerância de ponto para que toda a função pública acompanhe o rali.
Já produzimos pouco, já trabalhamos sem objectivos, sem critérios rigorosamente definidos, sem motivação e sem entusiasmo. Estamos na Europa (lá bem no fim do fim….) mas não usufruímos salários mínimos equivalentes a outros países daquele grupo. O ser humano reage a emoções, não havendo troca, compensação justa e equitativa, porquê se esforçar, porquê trabalhar com brio profissional e bem. Qual a mais-valia, qual o proveito, qual o retorno de um trabalhador exemplar?
São poucas as pessoas que por uma questão de atitude, de consciência e de postura, põem em tudo o que fazem o seu melhor, esmeram-se, fazem um bom trabalho porque assim tem de ser feito. Está em causa a própria pessoa, a sua integridade, e o seu bom desempenho.
Seja como for, para mim não é consensual, uma ausência ao trabalho, por motivos de uma prova automobilística.
Mas as pessoas opinam segundo as suas convicções e as coisas que lhes dão satisfação e contentamento e de facto já escrevi antes e volto a repetir não sou fã de bólides.
Não gosto de conduzir, nem de estacionar carros, nem tão pouco de fazer inversão de marcha. Apenas conduzo por necessidade e por uma questão muito importante na minha vida, a minha independência.
Nunca teria um carro descapotável, porque nunca saberia se olhariam para o carro ou para a pessoa que o conduz.
Também nunca teria um carro vermelho, nem necessito equacionar os motivos.
Gostaria de às vezes ter um bom Jeep, que jeito me daria?! Cruzo a Avenida do Mar quatro vezes por dia e assisto a cada cena, uma mais deplorável que a outra.
As cabeças vão ziguezagueando, lado esquerdo, lado direito, abre vidro, fecha vidro, endireita o espelho, faz pisca e não muda de marcha, pára no semáforo amarelo, quando estamos cheias de pressa, etc, etc…
Agora que estamos no Verão anda tudo mais lento, a cidade enche-se de continentais, espanhóis e emigrantes, que ao invés de conduzirem, passeiam a família, mostram orgulhosamente o quanto evoluiu a terra que os viu nascer.
A Avenida vai cheia de miúdas giras, mais despidas e mais atraentes, como o calor assim obriga. Na nova Praça do Mar estendem-se os putos a praticar skate, improvisam plataformas e executam manobras de baixos e altos graus de dificuldade. Exibições fantásticas, cujos cenários por vezes embaraçam o trânsito.
Mesmo não gostando de carros e porque há coisas e há pessoas a quem não podemos dizer que não, aqui há muitos anos quando os meus miúdos eram pequenos participei através do Infantário que eles frequentavam num rally paper.
Ia morrendo de enjoo, decoramos o carro todo, o tema era os planetas, e o carro tinha a Lua, o Sol, Marte, Júpiter e Plutão. Desempenhava o papel de co-piloto e tinha a incumbência de além de transmitir as mensagens padrão, completar as respostas, seguindo as pistas, olhando para os papéis, escrevinhando, entrando e saindo do carro à procura de coisas e de objetos. Cheguei heroicamente ao fim e bem colocada porque não gosto de perder, nem a feijões.
Espero muito sinceramente que os madeirenses aproveitem o primeiro fim de semana de Agosto, desfrutando do rali, e já agora só para que fiquem a saber o meu carro é um simples Renault Clio, cinza prata.

24-07-15

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Entre um caminho real e um Jardim Tropical,

Entre um caminho real e um Jardim Tropical,
Iniciamos o percurso junto ao restaurante do Poiso, com um céu azul e uma temperatura quente, a prometer um dia escaldante.
Percorremos de acordo com a acessibilidade possível, a antiga Estrada Nacional nº 24, Ribeira das Cales e Pico Alto. Pelo caminho visitamos o Centro de Receção do Parque Ecológico do Funchal, onde decorria numa sala contígua à receção uma formação de técnicos do mencionado parque. Ali se desenvolvem projectos no âmbito da conservação da Natureza, da educação ambiental e do recreio e lazer dos visitantes.
Descemos, e viemos ter ao Terreiro da Luta. Fez-me uma certa confusão terem deslocado a fonte de pedra, que sempre esteve no meio do caminho, para o lado esquerdo. Não sei se foi exigência dos transeuntes, dos carros de turismo, ou das viaturas que gostam de se aventurar, não percebi…
O trajeto do sábado passado foi o caminho real Poiso/Monte/Funchal e foi bastante interessante quer pelos espaços frescos, recantos, e variedade da vegetação, quer ainda pelas propriedades e quintas que fomos encontrando até Santa Luzia.
Na Igreja do Monte, atrevi-me a subir até ao sino, vislumbra-se uma vista magnífica sobre o Funchal. Não obstante, fiquei um nada entristecida pela falta de manutenção relativamente ao coro e ao restauro das pinturas no tecto do templo. Sendo um dos locais de grande culto da região, motivo de um dos maiores arraiais em honra de Nossa Senhora do Monte, não se compreende tamanho desvelo, compensa os quadros recentemente restaurados.
Já se encontrava inicialmente agendado pelo Nekas uma visita guiada ao Jardim Tropical Monte Palace, um dos Jardins Botânicos mais bonitos do mundo (galardão atribuído pelos sites Tripadvisor e European Best Destinations).
O jardim pertenceu a um cônsul inglês, foi vendido a um português que após o seu falecimento e por a família não ter perpetuado a obra, foi adquirido pela Instituição Financeira Banif (ex- Caixa Económica do Funchal). Em 1987 foi vendido ao empresário Joe Berardo, que o doou à Fundação José Berardo (Instituição Particular de Solidariedade Social).
Ocupa uma área de 70.000m2 e alberga uma vasta coleção de arte, flora e fauna. Entramos pela porta norte, junto às Babosas, e cruzamos de imediato com umas oliveiras milenárias, que foram trazidas do Alqueva. Mais à frente um conjunto de painéis ilustrando alguns factos mais importantes sobre a História de Portugal, outros painéis de azulejos do Séc. XV ao Séc. XX, janelas manuelinas, nichos, brasões e arcos cruzavam as alamedas dos jardins.
No museu visitamos um espaço de escultura contemporânea do Zimbabué, com obras da primeira geração de artistas de Tengenenge. Arte africana em pedra, de artistas outrora desconhecidos e hoje já com bastante notoriedade. A guia que nos acompanhava tinha a lição muito bem estudada, dizia “o Senhor Comendador adquiriu”, “o Senhor Comendador comprou”, “o Senhor Comendador sempre que vem aos jardim (acontece de 2 em 2 semanas), lembra-se de fazer algo de novo, uma cascata, um repuxo ou um banco”. Seja através de mecenatos, fundações, e outras mais instituições financeiras e de “solidariedade”, é certo que o Senhor Comendador contribui e zela pela natureza, pelo meio ambiente e pela nossa Laurissilva (floresta classificada pela UNESCO como Património Mundial Natural).
Seguimos para uma sala que continha um excelente acervo de Minerais e Gemas provenientes do Brasil, África do Sul, Zâmbia, Perú, Argentina e América do Norte. As pedras encontram-se expostas em cavidades, simulando o próprio ambiente de formação dos minerais. Uma profusão de cores e brilhos desde o seu aspecto mais bruto até á forma mais polida e sofisticada, usada para jóias e objectos de adorno pessoal.
Os jardins têm uma influência oriental (cultura chinesa e japonesa), com símbolos característicos, como o dragão, budas, pontes e bancos. Possui também vários lagos, com peixes Koi, e outras variedades de peixes, grandes e pequenos, brancos, prateados, vermelhos e laranjas, cisnes brancos e patos.
A vegetação é exuberante e com plantas exóticas, Cicas, Próteas, Azáleas, Orquídeas, Sequóias, Clíveas, e no espaço da flora endémica madeirense, observamos o Loureiro, Vinhático, Barbusano e Faia.
À saída e já junto à casa principal aprecia-se uma coleção de porcelanas, terrinas, potes, pratos e travessas.
Já em plena rua, e fora daquele arvoredo, daquele ambiente de quase floresta pura, é que nos apercebemos o quanto destilámos lá dentro, fez-se jus a um ambiente tipicamente feminino, como diria uma colega do grupo, no seu comentário cáustico, “meninas o ambiente era demasiado vaginal, quente e húmido”.
E porque da cultura também faz parte tudo aquilo que é histórico, que está impregnado nos nossos hábitos, usos e costumes, e porque nem tudo deve ser consumido única e exclusivamente pelo turista que nos visita, e esquecendo ou pondo de lado a nossa “serventia”, e humilde subserviência, fechei os olhos, respirei fundo e deixei-me conduzir por dois “carreiros” dentro de um típico cesto de vimes.
Foi mesmo o culminar de uma experiência única que, se não fosse naquele momento, não se repetiria nunca.

02-07-15

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Levadas, regadios, águas e poços.

Levadas, regadios, águas e poços.
Andava eu ensimesmada nos santos populares e a recordar os tempos de estudante e as escapadelas a Alfama e à Mouraria com o meu primo e umas quantas amigas da época quando dei por mim a fazer a Levada dos Brasileiros terminando com um almoço de semilhas, atum salpresado, feijão e massarocas. É óbvio que não substitui a sardinha assada, a salada de pimentos e os manjericos, mas na verdade, aqui nesta terra, nunca foi hábito comemorar o Santo António, sempre foi mais tradicional celebrar o São João, pelo menos era assim na minha família.
Andamos pela zona alta do Porto Moniz (Levada do Brasileiro), Lagoa do Chão do Bardo, Pico Roseira, Portas da Vila e Monte Pico. Curiosamente apanhamos um dia de céu azul, e sol, límpido, como muito raramente acontece ali pelos lados da Santa.
Estas caminhadas para além de se terem tornado num espaço de “desintoxicação citadina” passaram a contemplar outras áreas, tais como aulas práticas de botânica, cultura local, usos e costumes, momentos de bem-estar e prazer e de conversas de enriquecimento intelectual.
Eu que não distinguia orégãos de carqueja, já vou conhecendo algumas plantas aromáticas, flores e algumas árvores que compõem a nossa Laurissilva.
Conhecem-se pessoas novas, agradáveis, simpáticas, gente descontraída e desempoeirada.
A propósito neste sábado entabulei uma conversa interessante com um rapaz, que aos 11 anos foi estudar para o seminário e frequentou até o 4 ano de Teologia, depois considerou ser mais importante saltar o muro e ficar a viver a vida deste lado de fora e por aqui ficou até agora. Falamos muito ao de leve da religião, da fé, da igreja, dos mitos da igreja católica, e em especial de algumas posições tomadas pelos órgãos máximos da igreja aqui na região, etc, etc.
Alarguei os meus parcos conhecimentos sobre o sistema de regadio, os tanques de rega, a divisão da água e o giro.
A constituição geológica e a topografia da Ilha não favorecem a constituição de reservas superficiais de água. Não existem muitas lagoas naturais e as águas da chuva ecoam rapidamente para o mar.
Desde sempre a gestão da água, o decorrer do giro, gerou conflitos e disputas entre os agricultores, regantes e levadeiros. O desvio intencional e o roubo de água constitui um ofensa e mexe demasiado com os valores e a integridade de quem trabalha a terra e dela vive, e dela faz o seu rendimento, e dela alimenta a sua família. Por isso colocava-se um pau ou uma vara pequena entre as duas margens da levada, justamente para balizar a divisão da água e para determinar com precisão a quantidade de água que cabia a cada um nas horas de giro. Quando o nível da água subia além da marcação estabelecida pela vara era sinal de que alguém estava roubando água. O nível da água teria de se manter sempre pela baliza/vara. Então a regra era, “enquanto uns regavam outros vigiavam”.
Ali pela aquela zona da Santa do Porto Moniz (e áreas circundantes, Pombais, Cabo Salão, Pico Alto, etc.) existem cerca de 48 poços com 2, 3 ou mais donos, cada um com uma corrente de água diferente. O balaruco é o sítio por onde sai a água do poço e os tornadoiros é o encontro de levadas (onde partem e se dividem as águas).
A posse de poços dava então aos agricultores uma capacidade de prestígio, criava rivalidade e competição entre todos os que dependiam da terra e precisavam da água como um bem de mercado e com um preço alto.
Passei também por uma plantação de amendoins, é uma planta herbácea, de caule pequeno, com flores pequenas e amarelas. O fruto é uma vagem.
No regresso demos um salto até à Casa Velha, uma casa pequena, toda em pedra, mas com uma confortável área de terreno na parte lateral e traseira. A casa precisa de obras e restauro, aguarda por alguma folga financeira do seu proprietário ou por alguma boa ação de um qualquer mecenas em prol das tradições e reconstruções rurais. Tem um forno peculiar, a porta de entrada é quadrada em vez da habitual que é oval, o chão ainda é de terra batida e tem um pouco de tudo o que é tradicional madeirense, uma camilha, candeeiros a petróleo, recipiente em madeira para fazer pão de casa, etc, etc.
Já mesmo sem estar à espera ainda visitamos o “Tribunal Bar”, um tasco junto à Câmara Municipal, onde se acaba por decidir o que não foi consensual na reunião que decorreu no edifício do lado.
Ainda fiquei a saber que em dias como aquele em que o mar está tão calmo, pescam-se cracas no Ilhéu Mole (frente à Vila do Porto Moniz), eu que até então imaginava que cracas, só nos mares dos Açores.

18-06-15

terça-feira, 9 de junho de 2015

Dois mundos,

Dois mundos,
Eram aproximadamente 20h30m de um primeiro sábado do mês de Junho, vinha a passar nas traseiras do Mercado dos Lavradores e deparo-me com uma fila de gente, maioritariamente homens, de cabelos grisalhos, barba por fazer, roupa desconjuntada, rostos amargurados e olhares turvos. Em fila aguardavam estoicamente a refeição quente que lhes seria servida pelos voluntários da CASA, um gesto de solidariedade social apoiado pelos Hotéis Porto Bay e Dorisol.
Mais à frente, na porta principal do mercado, à entrada outra fila, desta feita para uma Ceia dos Santos Populares (angariação de fundos para o projecto “Ferias Divertidas”).
Dois mundos, dois eventos, causas idênticas (solidariedade social), mas na sua essência bem diferentes uma da outra.
Gosto daquele acontecimento, descontraído, de arraial, comida típica da época (atum salpresado, semilhas com casca, batata doce, feijão e maçarocas), da cor, da boa disposição e do ar despretensioso das pessoas.
Acabei por encontrar um vizinho amigo, irmão de uma amiga da minha infância. Veio cumprimentar-me, e felicitou-me pelos textos que tenho andado a escrevinhar, disse que os tem lido e gosta imenso. Sei que passou por uma grande perda, recentemente, mas achei que não era oportuno referenciar o assunto e nada disse. Afinal o ambiente era de festa e descontracção.
Lembrei-me da mãe dele, minha vizinha, uma senhora que teimosamente fez durante muitos anos uma resistência à vida, acamada durante algum tempo, foi adiando a sua partida, para surpresa, até da própria família. Uma força da natureza, matriarca, mãe de 11 filhos, exigente, e lutadora.
No dia do meu casamento, bateu-me à porta para me dar parabéns e oferecer-me uns versos feitos por si e um raminho de cravos. Foi um gesto simbólico que nunca esqueci.
Hoje, a casa da senhora encontra-se à venda e inexplicavelmente no quintal existe ainda um roseiral. Curiosamente estou a falar de uma casa semiabandonada onde não reside ninguém à uma data de anos. A paixão pelas flores, rosas, cravos, azáleas, orquídeas e outros vasos que ela disponha pelas escadas acima era notória.
O jantar esteve animado, com uma banda de música, um grupo de música tradicional, uma fadista e dois adolescentes, que apesar de muito novos prometem um bom trajecto pelo meio musical.
Na saída, esperava-me uma noite cálida e uma cidade deserta, desci até ao parque de estacionamento do Almirante Reis e deparei-me com mais uma cena de um qualquer submundo, um jovem, toxicodependente a ser corrido fora do parque pelo responsável do mesmo.
Cambaleando de um lado a outro, exibindo uma verborreia gritante, uma mão segurava as calças roçadas que lhe vinham já entre pernas e a outra mão agarrava uma garrafa de um etílico sem rótulo e lá se foi ajeitando para um canto de uma parede cuspida com uma tinta descolorida e bolorenta, ainda olhando de soslaio para trás  e insultando o rapaz do parque.
Confortavelmente entrei no carro e vim para casa pensando que a vida nem sempre é justa, que o sol brilha e aquece mais uns que outros e que muitos permanecem por um longo tempo na penumbra e na bruma, não existindo nenhuma luz para que possam vislumbrar, mesmo que seja ao fundo de um túnel.


09-06-15

terça-feira, 2 de junho de 2015

Amizades de uma vida inteira,

Amizades de uma vida inteira,
Este texto vem a propósito de um telefonema que recebi na semana passada de um grande amigo de infância acerca de uma cronica aqui publicada intitulada “Jasmineiro”. Confesso que no início do telefonema receei e não sabia bem se a receptividade era boa ou má, descontraí de facto quando me apercebi que até tinha sido simpático da minha parte fazê-lo regressar à sua infância e a uma nostalgia de tempos de outrora vividos numa Madeira bem diferente do que hoje é.
Não falava com este amigo há já longo tempo, não que me tivesse zangado, mas pelas circunstâncias da vida, amigos incomuns, trajectórias e estilos de vida diferentes, foram-nos separando.
E aqui vou entrar numa esfera que muita tinta tem corrido e existem varias opiniões, os amigos, as amizades de uma vida e a família. Serão os amigos mais importantes do que a família? Perdoem-me os que não vão concordar comigo, mas a família para mim está em primeiro lugar. Já escrevi em outros textos que, “a família não se escolhe”, “é a que se tem, quer se goste ou não”, os amigos, pelo contrário, escolhem-se e ficamos com eles uma vida inteira, ou vão uns e vêm outros e outros que entretanto se foram, voltam e ficam, outros ainda foram e não regressam mais.
As pessoas zangam-se por futilidades, por o “diz que disse”, porque “quem conta uma história acrescenta um ponto” e por orgulho ferido, por personalidade vincada e acutilante, raramente fazemos as pazes, reconhecermos e voltarmos atrás para invocar um pedido de desculpas é cada vez menos comum.
Ao longo dos anos, quer-me parecer que isto é um processo mais ou menos natural, ganha-se uns, perdem-se outros, mas existem alguns, poucos seguramente, que nunca se perdem, nem tão pouco se esquecem.
Eu não sou propriamente a pessoa mais pacífica deste mundo, e obviamente já passei por esta fronteira de perder alguns amigos, claro que quando os revejo sinto um claro desconforto, mas não há nada que o tempo não apague, ou não há nada que o tempo não leve, ou ainda a verdade vem sempre ao de cima e a mentira tem perna curta.
Às vezes também penso para não me auto culpar, se não ficaram, se não resistiram como meus amigos é porque não tinha de ser ou é porque não fui merecedora dessa amizade ou ainda porque não eram mesmo meus amigos. Seja como for, o que lá vai, lá vai, não podemos agradar a gregos e troianos e eu de facto, confesso, tenho mau feitio.
Existem vários tipos de amigos, é certo, e eu aqui não vou enumera-los, vou apenas falar daqueles amigos que me acompanham hoje.
Os meus amigos do colégio, que os encontro muito raramente, mas que sei quem são, os do Liceu, da Faculdade, os dos escuteiros, os da infância, vizinhos, filhos dos amigos dos meus pais, os de varias fases da vida e que permaneceram até agora, outros amigos que fiz por influência dos meus filhos, quer pela escola, quer pelas actividades desportivas onde estavam inscritos, os da praia, das férias, das caminhadas, os do trabalho e outros que eventualmente ainda possam vir a surgir.
Os do trabalho, eu costumo dizer que não bem amigos são antes, colegas. Porque os do trabalho queiramos nós ou não, temos de nos relacionar o mais cordialmente possível. Passamos metade do nosso dia-a-dia no trabalho, se não tentamos ter uma relação minimamente saudável e sofrível com todos, muito dificilmente estamos de bom humor no nosso local de trabalho. Contudo, existem excepções à regra, pois no trabalho tenho até alguns bons amigos.
Por a família estar em primeiro lugar, por ter uma família grande, por nos podermos ainda reunir todos em casa dos meus pais, é raro não haver um almoço de Domingo. A mesa vai ficando cada vez mais pequena, sãos os filhos, os netos, os bisnetos, mais os (as) namorados (as). O meu pai fica sempre contente por ter a casa cheia, ele quer pessoas lá em casa, acresce-lhe movimento, vida.
A minha família é como qualquer uma família, não é perfeita, é barulhenta, falamos todos nuns decibéis acima do normal, discutimos uns com os outros, relacionamos melhor com uns do que com outros, é tudo uma questão de afinidades e personalidades mais compatíveis que outras, mas temos valores, princípios e respeito.
Somos todos diferentes, na personalidade e forma de estar na vida, fisicamente existem duas muito parecidas, todos um pouco mais ao lado do pai, a mãe ficou com a beleza só para ela, não distribuiu equitativamente pelos filhos.
Uma das diferenças entre os amigos e a família é que apesar de sermos todos diferentes uns dos outros, na sua essência, somos iguais. Podemos discutir e até zangar-nos mas o elo de ligação não se quebra, e sempre e quando é preciso estarmos lá, inquestionavelmente estamos e damos a nossa força a nossa presença.
Nunca deixamos um irmão só, nunca deixamos de apoiar num momento mais difícil, nunca por nunca ser um de nós se sentirá à margem do seu núcleo familiar.

02-06-15

domingo, 31 de maio de 2015

Irmãos

Irmãos.
O calendário assinala hoje dia 31 de maio o dia dos irmãos. Lá em casa somos seis, 4 raparigas e 2 rapazes.
Não vou falar dos irmãos no que toca às suas personalidades e maneiras de ser, por uma razão óbvia, estamos todos cá e não quero ferir suscetibilidades, dando preferência a uns mais do que a outros. Vou então referir-me na generalidade e num contexto global.
Todos temos boas qualidades humanas porque fomos educados sobre valores bem diferenciados.
Cresci com eles, mais perto de uns, mais longe de outros. Partilhei desde criança, afetos, brincadeiras, cumplicidades, zangas e brigas.
Crescemos numa família onde o patriarca era a figura major. A matriarca sem ser uma pessoa apagada imponha-se pela sua presença elegante e reservada.
Sendo eu a mais nova, das raparigas, fui desde muito cedo uma menina mimada, mais acarinhada pelo pai, pelo facto de a mãe estar demasiado ocupada a cuidar de uma avó e de uma bisavó e ainda de um irmão mais novo, que desde a sua nascença requereu um pouco de mais atenção.
Ainda tenho todos os meus irmãos e com eles partilho momentos de família, comemorando algumas datas de festividade. Tenho normalmente mais ligação a uns do que a outros, atendendo á proximidade na forma de ser de cada um deles, não esquecendo que para tudo o que é preciso somos irmãos, filhos dos nossos pais, o mesmo sangue corre-nos nas veias.
A minha infância com os meus irmãos no que toca a brincadeira foi um pouco incomum, não brincamos muito, a diferença de idades não ajudou.
Lembro-me daquelas disputas banais, do lugar do sofá, do lugar à mesa, das tórridas discussões sobre quem arrumava a cozinha, dava cera no chão, puxava o lustro, lavava os tapassóis e as janelas ou regava as flores do jardim.
Lembro-me de sair à socapa com a roupa da irmã mais velha para o Liceu. O importante era fazer uma boa figura e levar roupa nova. De discutir com a minha irmã mais velha e dizer que não queria dormir com ela na mesma cama, (na época ela fazia um tratamento de pele para o acne na face e o creme que aplicava à noite cheirava mal).
Lembro-me de me incompatibilizar muito com o meu irmão mais velho, porque ele era um chato, um “engomadinho”, ia para o meu quarto tirar-me o secador e a escova de cabelo para se aprumar.
Lembro-me de sentir ciúme dos namorados das minhas irmãs, não que tivéssemos muita convivência entre nós, mas era menos tempo que elas estavam em casa e me faziam companhia.
Lembro-me de discussões tórridas com o meu irmão mais novo, cadeiras pelo ar, facas atiradas, até uma vez quase abrimos uma porta a meio. Eu como não consegui medir forças com ele, atirava as coisas, era a maneira mais prática que achei para me defender.
Ter irmãos para mim sempre significou partilha e companhia, partilha porque nas raparigas a roupa ia sempre rodando da mais velha até a terceira, graças a deus, como eu era a quarta e com uma diferença de 10 anos, fui uma sortuda nunca vindo a herdar essas peças. A minha roupa era sempre nova. Valeu-me essa essa pequena nuance.
Companhia, porque era inevitável, tínhamos dois quartos, um para as raparigas e outro para os rapazes. Companhia na mesa da cozinha quadrada, de madeira e com um tampo em fórmica vermelho. Companhia para me levar à escola, para fazer os trabalhos de casa, e alguma companhia do meu irmão mais novo para andar de bicicleta e brincar aos cowboys e aos polícias e aos ladrões.
A família é a primeira escola para a partilha, para a generosidade e para a solidariedade.
A família é isto, o primeiro espaço onde chegamos, mas não escolhemos.
Aos meus pais, que ainda nos fazem companhia, agradeço sobretudo os valores que nos transmitiram, a honestidade, o carácter e a coragem do pai, a sensibilidade a discrição e a doçura da mãe.

31.05.17



quarta-feira, 27 de maio de 2015

A Casa Branca,

A Casa Branca,
No sábado passado estive no primeiro encontro regional de pedestreanismo. Iniciamos a caminhada na Encumeada, Fajã da Égua e Chão dos Louros. Terminado o evento os vários grupos de caminhantes reuniram-se no Chão dos Louros para confraternizar. Apelou-se à conservação dos trilhos, conservação das levadas e identificação de algum património. Numa região cuja fonte principal de receita é o turismo é inaceitável a apresentação dos nossos percursos e a degradação constante das nossas serras e montanhas.
Ao regressar ao Funchal fui convidada por uma colega do grupo para ir visitar a sua casa e tomar um copo, mesmo no final da tarde. A principio ainda recusei, alegando a hora ser tardia, mas depois convenceram-me e ainda bem que aceitei o convite.
Assim que cheguei á Casa Branca, uma casa no topo do Ilhéu de Câmara de Lobos, lembrei-me de um concerto ao luar que há uns anos atrás assisti naquele jardim com o grupo Madredeus, uma coisa quase surreal e mal entrei na casa pensei se o Churchill ainda fosse vivo talvez alguém o teria convidado para ali colocar o seu cavalete e desenhar a baía de Câmara de Lobos.
Abaixo da Casa Branca e aos lados um casario descoordenado, tapumes a improvisar um ou outro quarto, escadarias irregulares, vasos de flores encavalitados, um misto de roupa secar e um gato a esgueirar-se pelo telhado de zinco. A paisagem cimeira composta por poios de bananeiras, algumas vinhas e casas grandes e solarengas.
A casa havia sido uma herança de um avô e em tempos idos foi uma habitação para 15 famílias, mais respectivos filhos e outro agregado familiar.
Restaurada e reconstituída de novo, o seu interior é semelhante a uma caixa, com vários compartimentos todos ligados entre si, traduzindo uma verdadeira casa de família. Minimalista, mas com uma magnificência estonteante, nem o seu exterior contrasta com o restante bairro, branca de janelas verdes, com um jardim ainda por arranjar, mas com áreas dimensionais superiores às casas vizinhas. 
Logo à entrada temos uma cozinha num espaço aberto e amplo, com uma zona de arrumos e casa de banho. No primeiro andar encaixa-se a sala comum, seguindo um corredor encontramos com acesso por qualquer um dos lados da casa, o escritório, o quarto de vestir e as casas de banho, terminando ao fundo desse mesmo corredor com um quarto para cada filho. No segundo piso, o quarto do casal, suspenso, “open space”, sem barreiras e com vista sobre a sala comum.
Logo, logo, o mulherio estava todo a cochichar como seria a intimidade do casal, um espaço tão aberto, sem portas, nem cortinas. Chegamos à conclusão, de que tudo é uma questão de hábitos, cada um sabe gerir muito bem os seus espaços, proximidades e privacidade. Ela, com algum humor ainda ripostou “não grito muito”, mas percebemos claramente que aquele espaço não constitui obstáculo para nenhuma manifestação de prazer. Não são necessárias portas e janelas para separar e dividir um mundo e um espaço que é só deles.
Achei sobretudo uma casa bastante funcional e prática, despojada de utilitários dispensáveis, tapetes, cortinas, quadros, jarras de flores, bibelots, e outros adornos. Apenas nos quartos dos filhos havia varias molduras com fotografias, alguns desenhos dos miúdos feitos em crianças e uns post-its no quarto da filha, que obviamente não me atrevi a aproximar para ler.
À saída da casa e junto ao jardim uma pérgula coberta por um maracujazeiro, onde se encontra uma mesa grande e rectangular pronta para uma refeição no exterior. Ainda se seguiram umas tantas selfies e fotos de grupo junto ao varandim do jardim, directamente sobranceiro à baía.
Passava das 21 horas quando abri a porta da garagem e cheguei a casa. Tudo no seu perfeito sossego, ainda descrevi ao meu marido o que tinha acabado de ver, com a eloquência de uma criança a quem se oferece um presente.
Na minha memória guardei uma casa invulgar, uma recepção calorosa e despretensiosa pela anfitriã e uns momentos descontraídos e verdadeiramente prazerosos com alguns amigos.


27-05-15

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Jasmineiro.

Jasmineiro.
Esperava um ano inteiro para receber a prenda que ela mandava pelo meu pai. No dia 04 nunca houve um esquecimento, um atraso, uma falta ou um descuido. Foram sempre até hoje as saias e os vestidos mais bonitos que recebi. De veludo ou de bombazine muito fino, com motivos florais, raminhos verdes, com aplicações no peito, de patinhos, outros animais e até de um lago. É certo que depois tinha de fazer um telefonema a agradecer e responder àquelas perguntas “sim, tenho sido uma boa menina, sempre bem comportada, estudo e ajudo a mamã e não ralho com os manos e rezo à nossa senhora para me proteger….”.
Mais crescida, quando já sabia ler, passei a receber as Historias da Anita, e ao entrar na adolescência, o primeiro livro foi as “Mulherzinhas” da Loiuse May Alcott, Quero ser Feliz, e outras publicações das Irmãs Paulistas.
Ela viajava com alguma frequência e dos locais que visitava enviava sempre um postalinho, de Fátima, do Castelo de Tomar, de Guimarães, ou do Mosteiro da Batalha. Tinha a particularidade de contar um bocadinho da historia do local, assim, desde cedo também fui viajando, quer pelos livros, quer pelos postais.
Ela era uma senhora muito educada, culta, devota de Maria, gostava do mês de Maio, alias o filho, único filho fazia anos nesse mês, gostava muito de flores, em especial de rosas.
Faziam um casal simpático ela grande, ligeiramente anafadinha, muito sardenta, com uma cara bonita, fresca e com a pele muito branca. Ele baixinho, careca, com uns óculos pretos com um fundo de garrafa muito grande, sempre muito bem-disposto. Sentia-se que entre eles havia amor e muito respeito.
Em Maio era o mês da grande festa, o filho fazia anos, e todos os anos celebrava-se o aniversário com pompa e circunstância.
Tinha fotógrafo particular, passadeira vermelha, criados a servir com blazer branco e laço preto e na cozinha as empregadas preparavam tudo com o maior rigor.
Lembro-me muito bem da casa, uma entrada particular na Rua do Jasmineiro, no quintal à frente vários canteiros de rosas de todas as cores e feitios, à entrada um grande corredor terminava com a escada ao fundo para o segundo andar. À direita ficava a sala e sala de jantar, à esquerda 2 ou 3 quartos que a senhora habitualmente alugava a pessoas de muito respeito (professores ou inspectores das finanças), a seguir a cozinha e de seguida havia um grande salão onde eram feitas as festas de anos. Esse salão era transformado em discoteca e era aí que pela tarde e noite fora se divertiam os convidados.
Logo à entrada e depois de tirada a fotografia à família, passávamos à sala e íamos ver a mesa do bolo, o tema da festa, a decoração, às vezes o filho tocava piano para os convidados (julgo que quando era mais pequeno). Apareciam logo os criados com cup de fruta em tacinhas de vidro com pé alto e elegante, eu gostava daquele sabor das frutas com o sumo e o gás da água, acepipes, canapés vários, vitelinhos, empadinhas, rissóis e umas queijadas deliciosas que eram a receita especial da senhora.
Nestas saletas e no jardim, ficavam as pessoas mais velhas, os amigos do casal, família e outros conhecidos.
Lá ao fundo no salão decorria a dança, a festa com os mais jovens, onde eu “bicho do buraco”, morria de vergonha só em pensar entrar, rondava a casa do lado esquerdo do jardim e ponha-me à porta a espreitar, quando dava muito nas vistas, voltava para trás e entrava pela cozinha e ficava sentadinha num banco novamente a espreitar.
O que eu gostava mesmo era de ir pular e dançar como os outros, mas a timidez amputava-me as pernas e ali ficava com carinha de anjo ouvindo, e apenas ouvindo a música, as gargalhadas, as palmas, a folia e o divertimento que todos extravasavam sem preconceitos nenhuns.
Afinal eram todos jovens, todos da minha geração, todos novos, iguais a mim, entusiastas da vida e dos prazeres que dela retiramos.
Às vezes, e mesmo no meio de tanto trabalho e atenção que tinha de dar aos convidados, aparecia a minha madrinha, agarrava-me na mão e levava-me até ao centro do salão e dizia “então deixaram a Luisinha ali sozinha”, então, eu sentia o chão a fugir cada vez mais dos meus pés, a cara a fumegar, e pedia a todos os santinhos que me tirassem dali. Não sei quantas vezes na vida morri de vergonha, mas nestas festas, todos os anos morria de vergonha.
Hoje, agora, acho que já não morreria de vergonha, ou pelo menos deste tipo de vergonha. A vida foi-me trazendo um pouco mais de sal e os meus dias foram tendo mais cor e um sabor de rebeldia que pouco agradou ao meu pai.
 20.05.15


terça-feira, 5 de maio de 2015

Belgais.

Belgais.
Foi um convite para passar um fim de semana em Castelo Branco em Maio de 2004.
Visitamos o concelho, fomos à aldeia histórica na Serra da Gardunha - Castelo Novo, aldeia de casas senhoriais, casas em pedra, com varandas em madeira e restos de calçada romana. No alto ergue-se o castelo.
O fim de semana incluía um evento cultural no sábado ao final do dia, assistir a um concerto de Maria João Pires em Belgais.
Para chegar à herdade, percorremos um longo caminho de terra batida, com percursos de altos e baixos, entre oliveiras e eucaliptos.
A quinta é um oásis no deserto, tudo muito plano, uma casa térrea, com sala de concertos, estúdio de gravação, biblioteca e piscina. Com um estilo rústico, artesanal e acolhedor.
A Maria João desenvolveu um projecto de ensino artístico para jovens, músicos e artistas, que de início teve um excelente impacto, mais não fosse pela descentralização da cultura numa cidade do interior, mas mais tarde acabou por correr mal e em 2009 foi posto à venda.
Houve discórdias, e desentendimentos entre ministérios e apoios concedidos, houve arresto de bens e tudo terminou de uma forma abrupta quando a pianista saiu do pais e foi para o Brasil (em 2006). Por lá ficou a viver e pediu nacionalidade.
Impressionante como nós, portugueses, temos o condão de deixar escapar grandes artistas, pessoas de valor considerável, empobrecendo cada vez mais a nossa cultura. É caso para dizer “felizes dos que os recebem”.
O centro organizava concertos, palestras musicais, tinha oficinas para crianças e ainda um coro infantil. Enquanto sobreviveu dinamizou muito a zona de Castelo Branco.
Nós chegamos num fim de tarde, calmo, de temperatura amena, para assistir a um concerto à beira de uma piscina, decorada num ambiente de velas, flores, um por do sol avermelhado contrastando com o marron da terra, assim algo bem-parecido a um estilo marroquino.
Foi calmo e intenso, cheio e sereno, viemos mais tarde a jantar num restaurante da zona, aprazível e sossegado, completando assim um fim de semana cultural a cortar a rotina de um ilhéu.

05.05.15


quinta-feira, 30 de abril de 2015

O 1º de Maio,

O 1º de Maio,
O meu pai nunca foi pessoa de comemorar estas datas festivas, nem o 25 de Abril, nem o 1º de Maio, mas quando éramos pequenos tenho recordações de fazermos piqueniques com os compadres e amigos dos meus pais.
O motorista levava a carrinha da Manteigaria Zarco, mas como a serra nesse dia estava cheia de gente e a minha mãe não gostava de confusões íamos para uma quinta dos Rocha Machado ou para a Fabrica de Manteiga da Fajã da Ovelha.
O primeiro de Maio vem das lutas sindicais iniciadas em Chicago por volta de 1886, cujo objectivo era reivindicar a redução da jornada de trabalho para as 8 horas.
Em Portugal este dia só veio a ser livremente comemorado depois de Abril de 1974, passando a ser considerado como um feriado. O dia mundial do trabalhador é comemorado com manifestações, comícios, festas de carácter reivindicativo. Na Madeira é um dia onde a população costuma organizar piqueniques, excursões, fazem-se uns colares especiais com umas flores amarelas, designados como “os colares de maio”.
Neste dia, e apenas quando éramos crianças, na serra reuníamos com os nossos amigos, jogávamos à bola, à pilhagem e às escondidas. Levávamos a comida já pronta, um farnel bem composto, atum cozido ou de escabeche, batatas com casca, feijão cozido com casca, frango assado, carne assada, rissóis, croquetes, bolo de laranja, pão de casa, vinho e laranjada. O meu pai não se esquecia de levar um rádio para ouvir o relato da bola.
Estendia-se uma grande toalha no chão, sempre debaixo de uma árvore com uma boa sombra, distribuía-se a comida e íamos comendo calmamente. A seguir ao almoço os homens e as senhoras dormiam sempre uma sesta.
Enquanto as minhas sobrinhas ainda (os) foram pequenas repetíamos estes passeios, já depois de crescidas veio a perder-se a tradição e nunca mais voltamos a fazer os piqueniques do 1º de Maio.
Agora a data é comemorada com um dia de ausência nas nossas funções e tarefas laborais e se a temperatura já permitir aproveitamos para fazer um dia de praia, ou deleitar-nos com outros prazeres da vida.
A geração dos meus filhos não chegou a assistir nem a participar nestas festas populares, hoje eles vivem muito os arraiais/festas religiosas e as americanices do Halloween.


30-04-15

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Revolução e proibições de casa,

Revolução e proibições de casa,
Lá em casa não se falava muito em política, o meu pai tinha as suas orientações bem definidas, e não permitia dar muita vazão a espaços de tertúlia sobre o estado do país ou do regime em que se vivia.
Sei apenas que tive um avô, curiosamente do lado paterno, que era um individuo extremamente honesto e defensor dos direitos humanos.
Sei que chegava a nossa casa, escutava bem baixinho (porque era proibido) notícias que alguns portugueses exilados no estrangeiro, transmitiam em programas de rádio em onda curta, com o fim de sensibilizar os ouvintes para combater a ditadura. Sintonizava as estações de rádio para as emissões a partir de Moscovo e de Argel.
Era um homem culto e interessado pelo mundo, julgo que, com uma atitude perante a vida mais além do que a rotina de cozinheiro em casa de uma família inglesa lhe poderia permitir. Lamentavelmente não cheguei a privar com ele, morreu precocemente de cancro no pulmão.
O meu pai ia acompanhando as notícias pela TV, pela comunicação e por uns tantos amigos, que viviam em Lisboa e de vez em quando regressavam à região. A preocupação dele era porque tinha, na altura, uma filha a estudar em Lisboa.
Para ele o ambiente de revolução, rebeldia, não lhe transmitia a segurança que ele pretendia. Naqueles dias de Abril, proibiu a minha irmã de ir para a faculdade, “nada de andar pelas ruas”, “nada de participar em manifestações, nem de opinar contra o regime”. Ia sabendo novidades também através de um sobrinho dele, mais velho que a minha irmã, já alguns anos instalado na capital. A norma era, “controla-me essa rapariga”.
E no dia da Revolução, só me lembro do meu pai ter-me enviado para Santa Cruz para passar o fim de semana em casa das tias. O 25 de Abril foi um dia marcante para mim, tinha onze anos, tinha entrado na pré-adolescência e queria assistir a tudo pela televisão.
As tropas, a revolução, o povo na rua, os cravos, os tanques na avenida da liberdade, o Quartel do Carmo, as imagens eram eloquentes, e as musicas, “Grândola Vila Morena”, “E depois do Adeus”, Vejam bem “, “Eles comem tudo”.
Passei a ouvir meio clandestinamente, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Pedro Barroso, e a ler poemas de Ary dos Santos, Adriano Correia de Oliveira e António Gedeão. Todos estes cantores, poetas e escritores de intervenção causava-me um fascínio indescritível, talvez por ser o proibido, talvez por o meu pai não permitir ouvir este tipo de música em casa, sei lá, ainda hoje não fico indiferente a nenhuma destas canções.
Lamento não ter apanhado a Revolução numa fase mais crescida, pois com 11 anos, ainda andava muito concentrada em mim, a saber se ia crescer mais, se o cabelo ia ficar louro, se teria roupa nova para levar no dia seguinte à escola, ou mais quanto tempo teria de esperar para ter um namorado e sair à noite, aprender a dançar, ir para a praia e ficar morena com sardas a salpicar pela cara, ter tempo para ver as séries da TV e andar de bicicleta.
Mais tarde e ainda nas proibições da casa, e do país, o meu irmão apareceu com discos que se fartaram de tocar no nosso gira discos, o “Je taime moi non plus”, o Emanuelle, o álbum do Jesus Cristo Superstar e o Bolero de Ravel (que o meu pai detestava). O meu irmão como era mais velho e já tinha os seus amigos, fechava a porta da sala e às escuras fazia lá a sua sessão de discoteca, criava cenários, e claro, proibia-me de lá entrar.
Era nessas alturas que eu sentia vontade de ser mais crescida, os amigos dele eram todos giros, mas eu não passava de uma miúda, irrequieta e ainda por cima metediça.
Não passava da porta, mas também não saía do degrau das escadas, mesmo ao lado.
Nada podia ver mas ouvia tudo.

24-04-15

terça-feira, 14 de abril de 2015

Descendo e subindo a rua,

Descendo e subindo a rua,
Desci e subi a rua a pé durante uma série de anos. A rua ficava entre a Rua da Torrinha (rua que tinha casas grandes e algumas quintas) e a Rua do Til, (rua muito grande e com bastante movimento de viaturas). Eu vivia na rua da Carne Azeda, feia, estreita, escura, velha, mal cheirosa e pouco iluminada. Era uma rua de casas velhas, antigas, hoje mantém-se quase todas, algumas remodeladas, outras deram origem a prédios de apartamentos.
As casas eram de gente de trabalho, pessoas humildes, muitas de aluguer. Casas bonitas e grandes nem chegavam a uma mão cheia, pertencentes a famílias com algum poder económico. Logo no início havia uma que atravessava toda a rua até o Torreão, outra com um grande terreno mesmo junto ao Engenho do Winton, a seguir a casa dos meus amigos de  infância onde brincava todos os dias, tão grande que chegava à rua do Til, acima mais umas duas com raiz do chão, primeiro andar e quintal à volta.
A rua não me enchia de orgulho, muito pelo contrário tinha um certo receio de a subir e descer sozinha, sobretudo naqueles dias pequenos e escuros de inverno. Passavam poucas pessoas, muitos velhos, pedintes, e uns homens esquisitos e estranhos que às vezes se escondiam por detrás dos carros. A iluminação pública até há poucos anos era com postes de madeira e candeeiros que iluminavam muito pouco. Tudo isto não me trazia confiança nenhuma, mas subir o lado oposto, o da Rua do Til, o trajecto era mais longo.
Em baixo mesmo no início da minha rua, existia uma fábrica, mais tarde oficina, era um prédio muito grande, alto e de nada valia à estética, ao lado o ribeiro, que acompanhava o engenho do Winton. Era interessante ver a labuta dos homens com os carros apinhados de cana-de-açúcar e o fumo a sair das chaminés. Eu não me lembro, mas as minhas irmãs recordam-se do incêndio no engenho e dizem que o quintal da nossa casa ficou cheio de cinzas e o nosso pai mandou-nos sair para casa de um vizinho mais acima, talvez para ficarmos mais protegidas.
Naquela rua vivia um senhor que tinha um carro grande antigo, tipo táxi, circulava na cidade para transportar turistas, vivia numa casa, igual a mais 4 ou 5, pareciam casas de bairro. A esposa dele e uma cunhada (irmã da mulher) passavam o tempo à janela e quando eu vinha da escola, falavam sempre comigo, perguntavam como estava a mamã e o papá, como iam os estudos, aquela conversa de circunstância.
Havia também um senhor José, de nome, que era carpinteiro, tinha uma loja, onde fazia os seus biscates, mais para cima havia uma mercearia, hoje transformada em bar/tasca. Em criança muitas vezes cheguei a ir à mercearia, comprar coisas de ultima hora, sal, açúcar, farinha, ovos, massa ou arroz.
Sempre foi uma rua com alguma dificuldade para estacionar os carros, hoje a rua tem um sentido só, descendente.
Naquela rua e nas artérias circundantes, Rua do Til e D. João, tínhamos os nossos vizinhos amigos, viviam todos por ali. Eu não tinha muitos, mas o meu irmão tinha um grupo do pior. Fartavam-se de bater à campainha assediando-o para brincadeiras que os comprometiam. Cada um pior que o outro, hoje, ainda considerados “peças de museu inconfundíveis”, irrequietos, rebeldes adolescentes, tiranos e inconsequentes, por vezes nas atitudes que tomavam. Eu não tinha medo deles, enfrentava-os todos, quando batiam á porta, dizia logo que o meu irmão estava a dormir, mas eles faziam-se entender por códigos, assobios, toques e buzinas de motas, etc. Eu dizia que os amigos do meu irmão eram desaconselháveis e que só o levavam para maus caminhos ou melhor, desencaminhavam-no.
Havia também um rapaz que que não largava a campainha da nossa porta, para fazer queixa ao meu pai do meu irmão e dos amigos dele. A bem dizer o rapaz tinha um índice cognitivo muito abaixo do normal e uns trejeitos efeminados, obviamente era motivo de chacota para o grupo. Até o meu pai se ria da situação, claro, sem dar a entender, um dia ouvi-o dizer “o rapaz também se poe a jeito”. Suponho que a figura ainda hoje existe, caricato, vagueava pelas ruas da cidade, implicando com todas as pessoas e exibindo uma verborreia escandalosa, sem mais nem quê. Era cliente assíduo das urgências do Hospital, de todas as igrejas da cidade e dos autocarros que subiam a Rua do Til.
Na travessa do Anselmo havia uma serie de casas em banda, todas iguais, só divergiam na cor das paredes, das portas e das janelas.
Durante muitos anos à frente da minha casa, existiu uma fazenda grande e havia uma entrada do nosso quintal que dava directamente para lá. Quando éramos pequenos íamos brincar, colher anonas e espiar o levadeiro.
Por aquela rua passaram uma série de figuras, que hoje deixaram de circular, o leiteiro, o amola tesouras e o padeiro.
Hoje a rua continua quase exactamente igual, não fosse os técnicos camarários terem asfaltado o caminho que antes era empedrado.

17-04-15

terça-feira, 7 de abril de 2015

Em três dias.

Em três dias.
Foi uma viagem de apenas três dias mas muito bem aproveitados. Duas turistas percorrendo a cidade de Lisboa, revivendo locais outrora visitados, bebendo experiências diferentes, centrando o olhar nas gentes, nos rostos abandonados pela cidade polvilhada de espanhóis, parece-me de repente ter voltado à dinastia dos Filipes, olé J.
Lisboa está cada vez mais uma cidade cosmopolita, muita gente a andar a pé, percursos de tuk tuk pelos bairros históricos, Castelo, Alfama e Mouraria.
Fizemos o trajecto ascendente desde os Restauradores /Baixa Pombalina/ Castelo de São Jorge. Pela primeira vez a minha experiência de “caminheira quinzenal” valeu-me chegar rapidamente lá acima. Entramos na Igreja de Santo António e na Sé de Lisboa onde decorriam as cerimónias da semana santa. Fomos espiolhando os antiquários e as lojas de velharias, passamos pelo miradouro de Santa Luzia. A minha irmã comprou uma pintura a um homem de rua, típica vista do castelo, eléctrico e lampião discretamente colocado à esquerda.
No castelo, descansamos, admiramos a vista sobre a cidade e tiramos fotografias. A descida foi mais suave, mesmo pelas ruas estreitas e sinuosas viemos ter direitinhas à Praça da Figueira. Subimos a Rua do Carmo, entramos no Chiado, Largo de Camões, Trindade e Largo da Carmo. Almoçamos na rua, na Adega do Duque, ligeiro e rápido. Descemos novamente ao Chiado, mas antes visitamos a Igreja de São Roque (junto à Misericórdia de Lisboa), cumprimentamos Fernando Pessoa, demos uma olhadela pela Brasileira e entramos na Basílica dos Mártires, vi pela primeira vez uma imagem do Santo Expedito (com inúmeras placas de agradecimentos e de graças concedidas).
Para visualizar alguma novidade, passamos pela Fnac, encontramos mais um ou dois artistas de rua e descemos até ao Rossio.
Só agora me apercebi que iniciei o texto de trás para a frente, agora fica assim, este foi o nosso último dia.
Chegamos ainda era dia, quase, quase a anoitecer. O hotel prometia pouco, a minha irmã franziu a cara, estava mesmo a ver que ela se vinha embora, valeu que tinha uma localização estratégica e os quartos eram extremamente asseados.
De manha acordamos cedo, tínhamos compromissos, fomos pontuais, fomos prontamente atendidas e pelas 12 horas estávamos despachadas. Ela não quis almoçar no Darwin depois da conversa apetecia-lhe um bom bife, por isso fomos à Portugália no Espelho de Agua (Belém). Ela comeu tudo o que tinha direito, camarão, casquinha, polvo, ainda pediu um bife com ovo a cavalo e terminou com um leite-creme. Esperava-nos uma fila bem dimensionada e um sol escaldante à entrada do Mosteiro dos Jerónimos, acabadinho de ser limpo. A vontade de caminhar foi esmorecendo, ainda viemos até o Palácio de Belém, mas resolvemos regressar ao hotel e descansar um pouco.
À noite fomos jantar com a Teresa à Tasca do Urso, ela tinha ficado em Lisboa propositadamente para estar connosco, no dia seguinte ia para o Alentejo.
Subimos ao Bairro Alto no elevador da Glória, passamos pelo miradouro de São Pedro de Alcântara e fomos para o Príncipe Real, aí, até chegar ao restaurante e mesmo de mapa na mão, perdi-me uma serie de vezes pelas ruas do bairro, que são um autêntico labirinto.
Recebidas carinhosamente pelo dono do restaurante e amigo da Teresa, jantamos no jardim, comemos bochecha de porco com batatinhas fritas e alheira com queijo de cabra e geleia de tomate, um jarro de vinho e Rémy Martin para rematar, a minha irmã só jantou uma sopa, mas comeu farófias como sobremesa. O ambiente era acolhedor, tinha aquecimento, mantas para aquecer as pernas e uma boa conversa, fomos ficando até sentir que o cansaço já andava a tomar conta de nós.
No dia seguinte já tínhamos combinado ir a Fátima, o Expresso levou-nos a uma viagem confortável, almoçamos no restaurante habitual, visitamos calmamente o santuário e até assistimos a uma missa. Desta vez resolvi deixar uma vela grande por intenção de todos os que precisam, os meus, família, e algumas pessoas mais próximas. Temos de ser práticos e o que conta é a intenção.
De regresso a Lisboa à noite fomos ao Coliseu ouvir a Joan Baez, activista politica, fez parte de vários movimentos a favor dos direitos humanos, cantora folk norte americana, marcou os anos 60 e apareceu em palco igual a si própria, de guitarra ao ombro, botas, calças de ganga, camisa branca e uma echarpe rosa. O seu público fiel troteou Diamonds & Rust, Forever Young, Gracias à la Vida. Foi um concerto muito light, vibrei apenas quando ela cantou o Grândola Vila Morena e as pessoas juntaram os pés a imitar os soldados a marchar. A plateia marcadamente na faixa etária 60/70 anos, um leve cheirinho a naftalina, muitos cabelos grisalhos, uma geração de protesto, agora bem mais serena.
Na 5ª feira regressamos ao Funchal para em família terminarmos a semana santa, tradição religiosa portuguesa que celebra a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
07.04.15


segunda-feira, 30 de março de 2015

Fábrica de Manteiga.

Fábrica de Manteiga.
Neste fim de semana fui surpreendida quando caminhava com o grupo Veredas e Levadas, visitando a antiga Fabrica de Manteiga situada na Fajã da Ovelha, junto à Ribeira de São João.
A fábrica foi construída por volta de 1910 por Augusto César de Gouveia, é um prédio de dois andares, onde no primeiro piso procedia-se à fabricação do produto e no segundo piso eram produzidas massas alimentares.
A manteiga era transportada para o Paul do Mar através de um fio, chamado fio dos Zimbreiros, depois era expedida por via marítima através de barcos directamente do Paul do Mar para o Funchal e dali seguia para outros portos do país e para as diferentes colónias da República Portuguesa.
A minha infância foi vivida entre os sabores, paladares e cheiros de uma serie de lacticínios, a manteiga Zarco e a manteiga Primor (a manteiga com sal embalada em papel vegetal e com letras azuis e a manteiga sem sal com embalagem igual, mas com as letras a vermelho), o leite, o queijo Pinheiro Manso, Castelões, o leite condensado, o leite evaporado, o leite em pó gordo e meio gordo e o reconstituinte Vigormalte.
O meu pai trabalhou toda uma vida para a Martins & Rebello, fábrica de lacticínios da época de 50, com sede em vale de Cambra, e que veio a abrir falência em 2001. Hoje encontra-se representada pela Indulac, mantendo a sua produção original.
Senti uma certa nostalgia ao pisar o terreno da antiga fabrica, não deixando de sentir também uma mágoa incomensurável pelo estado de degradação e abandono que a mesma apresenta. Declarada em tempos património de interesse municipal, fazendo parte do catálogo dos edifícios classificados pela DRAC, não entendo porque até agora ainda ninguém mostrou interesse, por exemplo, em recuperar o edifício para reverter em Museu de Lacticínios. Ignorância do património é sinonimo de cegueira cultural, insipiência de um povo que teima em ignorar e desvalorizar a sua história.
Ainda bem pequena, recordo uns piqueniques que fizemos com o meu pai, aqui nesta fábrica. O Sr. Correia (que era o motorista da Manteigaria Zarco e da Manteigaria União) conduzia a carrinha e levava também a família dele, a mulher, duas filhas e dois filhos, mais nós que éramos 6 crianças, enchíamos o espaço, com bolas, gargalhadas, guinchos, e muita algazarra.
Da Manteigaria Zarco e pela altura do Natal também me assalta as narinas o cheiro dos bolos de mel do Sr. Capelo, das broas de mel e das rosquilhas de manteiga da minha madrinha.
O sábado ficou completo quando cheguei ao Engenho da Calheta, repousei as perninhas numa cadeira de vimes, delicadamente colocada num alpendre e por ali fui ficando a saborear uma nini poncha acompanhada de broas de mel e de um grupo de amigos bem genuínos.
Ainda consegui esticar mais um bocadinho esta companhia prazerosa, parando ao sair da Calheta e ali desfrutar de um magnífico por do sol.
A vida é assim, tem momentos, únicos, tão singulares, despidos de quaisquer adornos.
A simplicidade está naquilo que é, que se vê, no que a natureza por si só nos apresenta e faz deleitar por breves instantes a nossa vida.
A todos os que comigo privaram na caminhada “Caminho Real Fajã da Ovelha- Calheta “ e em especial ao Nekas um bem haja e umas Felizes Páscoas.
30.03.15



sexta-feira, 27 de março de 2015

Limpezas e cheiros.

Limpezas e cheiros.
No fim de semana passado assim meio de improviso fiz um passeio e vim ter à Rota da Cal, lá pelo Concelho de São Vicente. Confesso que foi interessante e para além dum momento cultural foi também de um aprazível convívio com os meus amigos das caminhadas.
De repente dei por mim a lembrar-me das pinturas da casa pelo Natal, caiar a cozinha, a sala e os quartos de dormir, aquela azáfama que a minha mãe não gostava e a mim também não me agradava de todo.
A nossa casa virava do avesso, cheirava a fresco, a água com sabão, a cera, a limpo e a lavado.
As cortinas eram retiradas para serem lavadas, os armários afastados da parede, para limpar as teias de aranha e o pó acumulado, os quadros saíam das paredes, os armários e as gavetas despejados e novamente forrados, a papel pardo e de plástico, os da cozinha, os outros a papel branco e papel vegetal.
Habitualmente era uma das minhas irmãs (braço direito da minha mãe) que se encarregava destas lides dentro de casa e que me obrigava a andar atrás dela como sua ajudante. Ela amarrava um lenço na cabeça para proteger o cabelo do pó e lá ia eu contrariada atrás.
Para além de se retirar toda a loiça dos armários e lavar, era preciso arrumar as gavetas dos bordados e dos paninhos de tabuleiro, limpar o armário dos aperitivos e o das bebidas. A minha mãe tinha a mania de guardar tudo e nestas arrumações fazíamos descobertas interessantes, coisas foras de prazo, estragadas e a cheirar a mofo, desde amendoins, broas, bolachas e outros biscoitos. A minha mãe tinha receio que chegasse uma visita lá a casa e não houvesse nada para oferecer.
Havia duas gavetas que eu gostava de arrumar, uma era onde a minha mãe guardava todas as cartas, postais, e contactos dos amigos espalhados pelos quatro cantos do mundo, e a outra a das fotografias. Nestas coisas eu gostava de meter o nariz, de ler e de ver.
Passada esta fase, vinha a parte da cera, a minha mãe usava aquela cera de lata, Búfalo, se não me atraiçoa a memória e com cheiro a alfazema. Dar a cera não era tarefa nossa, devia de ser do meu irmão mais velho, a casa ficava de um dia para o outro com jornais espalhados pelo chão para se manter a cera e não escorregarmos, no dia seguinte era certo alguém puxar o lustro de joelhos escada acima escada abaixo, com um pano fofo e macio.
Ainda faltava o óleo de cedro espalhado pelas portas de madeira, que tinha a sua técnica, não se podia fazer círculos, o vidro martelado da porta da sala, que era lavado com um esfregão e água ensaboada, arear o número 51 da porta de entrada, mais o puxador e a campainha com aquele líquido da lata vermelha e verde e com um coração dourado e ainda limpar as pratas com Duraglit.
Estes cheiros, esta lufa-lufa, pelas alturas do Natal, da Páscoa, ou quando recebíamos alguma visita importante em casa, como na Semana Santa, quando o Padre da freguesia por lá passava, há já muito tempo que deixei de sentir.
É certo que eu não gostava destas tarefas ingratas, mas ninguém acredita o quanto me sabia, quando regressava de Lisboa naqueles dias antes do Natal, abrir a porta de casa ver o chão a brilhar, sentir o cheiro da cera de alfazema, olhar os vasos de flores, os naperons por cima das mesas e dos moveis, o cheiro a lavado da roupa de cama, do sabão clarim, os lençóis imaculadamente brancos e engomados sem a mais pequena prega, beber o café com leite de manhã ao acordar e à noite comer a canjinha que a minha mãe fazia.
Eu sei que não se vive de memórias nem de coisas passadas há sempre quem diga que “o passado não interessa o presente é o que importa”, mas também sei que para se contar uma história, para se perceber o presente, é necessário irmos ao passado, abrir armários e gavetas e desencaixotar peça por peça.
27/03/2015


sexta-feira, 20 de março de 2015

À Sexta-feira…

À Sexta-feira…
À sexta-feira quando não havia jantares, aniversários, e saídas com amigos, metia-me no autocarro do Caniço, em frente à Empresa de Eletricidade e fugia para casa da minha irmã.
Por lá ficava todo o fim de semana, regressava só no domingo à noite, contra a vontade da minha mãe, que nunca entendeu porque é que eu não queria ficar em casa com os pais.
Se fosse verão, o meu cunhado ia deixar-nos à praia, ao Rocamar ou ao Galo, eu levava os meus sobrinhos. Ele tinha um carro desportivo, um Peugeot 205, descapotável, azul claro, com estofos em ganga, fazia um sucesso naquela altura. Eu só obrigava os meus sobrinhos a chamarem-me de “tia”, não fosse alguém imaginar que seria a mãe das 3 crianças.
No Inverno ficava mais por casa, como a minha irmã não sabia e não gostava de cozinhar e eu depois da minha passagem por Lisboa, até fiquei com jeitinho para a cozinha, entretinham-me a inventar uns pratos.
Às vezes íamos comer fora, o meu cunhado era um bom garfo, variávamos pelos restaurantes ali da zona, a Central, a Lareira, o Boieiro, a Cervejaria Alemã, o Galo, o Rocamar, a Quinta Explêndida e mais tarde o Giuseppe Verdi, as suas lasanhas e massas italianas.
Connosco também vinha uma tia do meu cunhado, viúva, era uma mulher excêntrica no vestir e na sua maneira de estar, de cabelo pintado, com batom forte, unhas com verniz cor-de-rosa, vestia-se sempre com roupas de cores muito garridas, grande, com uma voz rouca, mas pouco beneficiada pela beleza física. Fumava, acompanhava a refeição com vinho era uma figura curiosamente interessante. Gostava muito do sobrinho, mas entrava sempre em defesa da minha irmã.
A casa do Caniço era muito acolhedora, grande, assim num estilo francês com uma sacada no primeiro andar e umas águas furtadas, um grande jardim com relva na frente da casa e uma inesgotável vista mar.
Ali naquela casa, passei bons momentos, ali fui muito feliz, ali ajudei a cuidar dos meus sobrinhos, ouvi o meu cunhado, ouvi a minha irmã, ouvia todos os outros que por lá passavam, sobretudo ao domingo. Ao domingo aquela casa virava “poiso”, após o almoço a campainha não parava de tocar. Vinham todos lá bater, os homens para descansar e dormitar, as mulheres para conversar.
No final do dia era sempre preparado um lanche, chá, bolo caseiro, sandes de fiambre, queijo e presunto.
Às vezes penso se a minha presença constante incomodou a estabilidade e harmonia daquela família. A casa era um refúgio ou digamos uma espécie de retiro e de porto de abrigo para todos.
Ali naquela casa ficava a pensar na vida, a curar paixonetas platónicas, e a chorar amores impróprios.
E foi ali naquela casa que a minha irmã ofereceu um cocktail de boas vindas no dia do meu casamento e foram eles os meus padrinhos.
Não foi fácil o regresso de Lisboa, não queria ter vindo. Gostava muito daquela cidade grande, das gentes que não conhecia e por quem passava anonimamente, dos cafés da Avenida de Roma e da Baixa, dos cinemas, do comboio, das viagens que fazia ao sábado à tarde até Sintra, dos passeios e dos almoços de domingo com o meu primo, pela Praia das Maçãs, a Praia da Adraga, Almoçageme, as Azenhas do Mar, a Ericeira, Mafra e a Malveira da Serra. Nestes dias apenas sentia a falta da família.
A readaptação a casa dos meus pais não foi um processo fácil, eu tinha gostado demasiado da independência conseguida, enquanto vivi em Lisboa.
Estar em casa a receber ordens do pai, a dar conhecimento de onde venho para onde vou, com que vou e com quem ando, saturava-me. Bom mesmo era safar-me ao fim de semana para casa da minha irmã. A minha mãe ficava zangadíssima comigo, ela não compreendia porque é que eu não ficava no Funchal, em casa, com a família, para no sábado de manhã acordar cedo e fazer a lida da casa e no domingo ir à missa com os pais. Este filme aterroriza-me, eu não queria nada aquele estilo de vida.
Até habituar-me novamente a esta terra, deu-me que fazer, mas se um dia tivesse que sair para qualquer lado, ia, desde que fosse um sítio onde se visse o mar. E saudade ia sentir, sempre da família.
Hoje, tudo mudou, aquela família tal como era já não existe, à sexta-feira já não corro para apanhar o autocarro, já não tenho tantos jantares e saídas com aqueles amigos, mas enfim, tenho outras coisas que me deixam igualmente feliz.

20/03/2015

quarta-feira, 11 de março de 2015

Gosto de …

Gosto de …
Gosto de jantar numa interessante companhia e de um bom copo de vinho. Gosto de sair, viajar, chegar a uma cidade desconhecida e andar e procurar e encontrar e falar e conviver com pessoas que ainda não as tinha conhecido. Gosto do desconhecido. Gosto de descobrir, de descobrir por mim própria. Não me digam repetidamente o tenho de fazer, deixem-me no meu livre arbítrio.
Gosto de ler e de escrever, de ir ao cinema, de ver filmes que me rasguem a alma, que me provocam aquela estúpida “dor de burro”, gosto de música, de ouvir música alta, de assistir a um concerto e de pular e de saltar e de cantar (mesmo que seja desafinado).
Gosto de serra, da quietude da natureza, gosto do mar, da bravura do mar e dos passeios na areia, na areia morna, de escrever nomes na areia, de mexer com as mãos e chapinhar entre a areia molhada e a água, gosto de me sentar sem toalha na areia e sentir a areia quente no corpo.
Gosto do sol, do início da primavera, do verão, dos últimos dias do verão, daqueles fins de tarde em que o sol se põe, e deixa no ar uma brisa ainda tépida, gosto sempre dos finais do dia. Gosto de pensar no que fiz, o que não fiz, o que ainda tentarei fazer no dia seguinte.
Gosto de andar de bicicleta, de sentir os cabelos ao vento e a sopro trespassar a tshirt e passar pelas costas.
Gosto de acessórios e de adereços vários, malas, sapatos, brincos, fios, lenços, echarpes, e cintos.
Gosto de gostar simplesmente de qualquer coisa, há gente que não gosta de nada, gente que põe defeito em tudo, gente a quem nada satisfaz, gente infeliz, por certo.
Gosto da comida portuguesa e da italiana, gosto de pratos tradicionais, cozido à portuguesa, bacalhau assado na brasa, sardinhas, carapaus, bife com ovo a cavalo, aprendi a gostar de sushi e já vou comendo muito bem.
Gosto de ter uma família grande, muitos irmãos, sobrinhos (as), gosto dos almoços em casa da minha mãe, dos fins de semana em que acordo tarde e preguiço na cama, lendo, dormitando, relendo, e voltando a dormir, tudo sem horários, sem compromissos, sem ter que sair de casa, sem ter de pegar no carro e de conduzir, de fazer almoço ou de cumprir uma qualquer rotina obrigatória.
Gosto de andar a pé, com phones, concentrada na música que estou a ouvir e de olhar, olhar para além do que vejo.
Gosto das cores outonais e das primaveris, gosto dos tons pasteis, do azul do céu, do azul do mar, do branco das nuvens, do verde das árvores e do castanho amarelado das folhas caídas.
Gosto de cozinhar e de receber amigos em minha casa gosto de esmerar-me e de mimar as pessoas de quem gosto.
Gosto dos meus filhos, dois, tão diferentes nas personalidades, nas atitudes, nos sentimentos, tão completos entre si.
Gosto de quem tenho ao meu lado, que me atura, neste meu mau feitio, nestes acessos de impetuosidade, agora, mais controlados do que nunca.
A “idade” tem seguido de mão dada com a tolerância e a capacidade para relevar tudo o que não é importante, tudo o que em nada irá contribuir para a nossa felicidade.
Aquilo que se foi, foi, se calhar era porque não precisava de estar connosco. Durante muito tempo questionei coisas que fui perdendo ao longo da vida, sempre com algum constrangimento, uma certa culpa, alguma dor, algum peso de consciência, há dias dei por mim a pensar, mas porque é que eu continuo neste círculo vicioso do que perdi e deixei de ter. Perdi, porque se calhar tinha de ser mesmo assim, deixei de ter, porque não deveria de fazer parte da minha vida, ou ainda porque não merecia ou simplesmente porque não era para mim.
Gosto de pessoas, gosto de ter amigos, poucos, mas bons amigos. Gosto daqueles amigos que não nos cobram nada, que nos aceitem como somos. Gosto mesmo muito, daqueles amigos de infância, da escola, do liceu, daqueles que não nos vemos todos os dias, mas que um dia quando os encontramos parece que o tempo parou, e falamos e conversamos e relembramos o que a memória nos permite fidelizar com carinho e ternura.
Gosto da vida, fora da rotina, quiçá de algum imprevisto, não muito longe de uma realidade doce, segura, certa num tempo que é meu e de quem me rodeia.
Gosto, tão naturalmente da sensação de gostar.
11.03.15


Uma questão de atitude.

Uma questão de atitude. Iniciamos o percurso com um vento forte e frio, um pouco desagradável. Levamos com terra e poeira como se esti...